quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Travessuras da menina má

Mario Vargas Llosa

travessura-da-menina-ma-1De um lado um amor sem limites, do outro uma ambição desmedida e inconsequente. Assim, Mario Vargas Llosa constrói a brilhante história de Ricardo Somocurcio e Otilia.

Camaleoa

A canalhice, normalmente praticada pelos homens nas relações amorosas, é colocada, desta vez, na figura feminina e, ao que parece, apesar das ações desprezíveis recheadas com toque de carinho verbal, leva o leitor a não odiar a personagem.
Otilia muda de nome como camaleoa muda de cor, para praticar as safadezas.
Ricardo não consegue entendê-la.
As aventuras da menina má deixam de ser uma necessidade para transformar-se em aberração de caráter.
Vai ao encontro do risco, por necessidade de sofrimento.
Sofrer era não se aventurar e sujeitar-se ao risco era uma forma de punir-se.
O autor nos remete para a prática da tolerância, do amor desmedido e da aceitação dos diferentes.
Mostra que a opção de vida escolhida por um indivíduo é como uma flecha lançada, na maioria das vezes, não tem volta.
O leitor censura a menina má e, ao mesmo tempo, deseja que alguma coisa de normal aconteça.
A aventura começa com a chilenita Lily, depois veio a camarada Arlete, madame Robert Arnoux, Mrs. Richndson e Kuriko.
Todos elegeriam madame Somocurcio como favorita, mas, a aventura emanava da pele da menina má como nicotina evapora do corpo de um fumante.

Caminho político

travessura-da-menina-ma-5O autor oferecer um cenário sociopolítico, vivido no Peru, através da história.
Migram os personagens para a França, país símbolo da democracia, para Cuba, na busca de justiça social, e, para a Inglaterra, reverenciando os movimentos culturais das décadas 60 a 80.
A tortura sofrida pela menina má, no Japão, serve de alusão ao regime implantado no Peru, pelo ex-presidente Fujimori, que possui cidadania japonesa.



Adoção

A narrativa chama a atenção para a adoção de menores e exalta a prática como uma decisão a ser tomada sem preconceito.
A criança vietnamita, incapaz de falar, adotada por um casal amigo de Ricardo, começa a balbuciar a partir do momento que atende ao telefone da menina má.
Esse tema adoça a carapaça da aventureira, mostra que perdas, carências sociais e afetivas podem ser superadas através da atenção para com o próximo.
Lembra que o bem e o mal estão no mesmo indivíduo e nos compete à escolha por um ou outro.
O texto apresenta uma aventura descomunal e oferece um aprendizado digno da experiência do grande escritor, Mario Vargas Llosa.
A leitura é imperdível!

Mario Vargas Llosa

mario-vargas-llosa-1Jornalista, dramaturgo, ensaísta, crítico literário e escritor consagrado internacionalmente.
Nascido em Arequipa, no Peru, em 1936, ganhou notoriedade literária com a publicação do romance A cidade e os cachorros (1961).
Mudou-se para Paris nos anos 60 e lecionou em diversas universidades americanas e europeias, ao longo dos anos.
Publicou Conversa na catedral, Pantaleão e as visitadoras, Tia Júlia e o escrevinhador, A guerra do fim do mundo, Quem matou Palomino Molero? Cartas a um jovem escritor.
Recebeu os prêmios Cervantes, Príncipe das Astúrias.
Foi candidato derrotado à presidência do Peru, em 1990, perdendo a eleição para Alberto 
Fugjimori.

Referência bibliográfica

Vargas Llosa, Mario
Travessuras da menina má / Mario Vargas Llosa; tradução de Ari Roitman e Paulina Wacht..
302p.
Tradução de: Travessuras de la niña mala.
ISBN 85-7302-808-4
Romance peruano. I. Roitman, Ari, paulina. II. Título.
(R)

A Morte de Ivan Ilitch


Leon Tolstói


a-morte-de-ivan-ilitch-2O texto aborda questionamentos sobre o sentido da vida e a busca do entendimento a respeito da fase que a maioria dos humanos rechaça: a morte.

A futilidade, a intolerância, o zelo moral e a busca desmedida do reconhecimento, além da valorização profissional são questionados no momento que o homem se depara com o sentimento de finitude e a real proximidade da morte.

A morte como processo

O processo da morte, por ser único e diferente para cada ser humano, não abarca experiências pessoais que possam servir de subsídio para o entendimento do fato.
Ivan Ilitch, personagem escolhido, por Tolstói, para retratar a fase final da vida, busca entender o porquê do sofrimento exacerbado e duradouro que antecede à morte, experimentado por algumas pessoas enquanto outras passam por processos rápidos e menos sofridos.

Há causas que determinem o sofrimento ou a sutileza?

a-morte-de-ivan-ilitch-1A escolha do caminho a ser trilhado pelo homem é decisiva para os acontecimentos que antecedem ao fim?
É possível nos preparar para minimizar os efeitos do sofrimento ou seremos, sempre, pegos de surpresa?
Ignorar, a morte, é uma escolha para fugir da realidade finita ou ela se presta como esperança para postergação à prova final da vida?
O sofrimento se apresenta como um acerto de contas contrapondo-se à futilidade escolhida pelo homem ou ele, o sofrimento, oferece oportunidade para a liberação das amarras que o cercam durante a sua existência?

Os valores contribuem com o processo?

O protagonista se depara com uma realidade entediante: viveu em busca de valores que não ajudaram a suportar os momentos que antecederam à morte e não consegue identificar nada que pudesse auxiliá-lo a concluir como seria a vida que poderia ter experimentado.
A angústia por esta busca cresce no momento que Ivan Ilitch se aproxima da morte e passa a considerar a esposa e a filha com estorvos, capazes de impedirem uma visão realista do processo, sentindo-se mais confortável na companhia de um servo, que se dedica à ele sem exigir nada em troca.
O texto, irretocável e riquíssimo em questionamentos.
Trata-se de um intenso depoimento da perspectiva da morte.
Envolve sentimento de perda e, ao mesmo tempo, de libertação ao tomar consciência dos apegos equivocados.

Leon Nikolaievitch Tolstói

tolstoy-1É considerado um dos maiores escritores de todos os tempos.
Ficou famoso por tornar-se, na velhice, um pacifista, cujos textos e ideias batiam de frente com as igrejas e governos, pregando uma vida simples e em proximidade à natureza.
Foi um dos melhores escritores da literatura russa do século XIX.
Suas obras mais famosas são Guerra e Paz, A Morte de Ivan Ilitch e Anna Karenina.
Morreu aos 82 anos, de pneumonia, durante uma fuga de sua casa, buscando viver uma vida simples.

Referência bibliográfica

Tostói, Leon, gráf.: 1828-1910
A Morte de Ivan Ilitch/ Leon Nikolaievitch Tostói; tradução Vera Karam. – Porto Alegre, RS: L&PM, 2011.
122p.; 18 cm. – (Coleção L&PM POCKET; v.16)
ISBN 978-85-254- 0600-2
1. Ficção russa – novelas. I. Título. II. Série
(R)

terça-feira, 29 de agosto de 2017

Holocausto brasileiro

Daniela Arbex

O texto denuncia a história do Colônia, considerado o maior hospício existente no Brasil.
Localizado no município de Barbacena, Minas Gerais, a cidade recebeu a unidade hospitalar como prêmio lenitivo por ter perdido a disputa com Belo Horizonte para sediar a capital do estado.
Terminou ganhando a denominação de capital da loucura.

estacao-de-trem-barbacena-1Estação de trem

A exemplo do que ocorria com os judeus nos campos de concentração nazistas de Auschwitz, o Colônia recebia pessoas de todo o país em vagões de trem, ônibus e viaturas policiais, pelos mais diversos motivos.

“Os recém-chegados à estação do Colônia eram levados para o setor de triagem. Lá, os novatos viam-se separados por sexo, idade e características físicas. Eram obrigados a entregar seus pertences, mesmo que dispusessem do mínimo, inclusive roupas e sapatos, um constrangimento que levava às lágrimas muitas mulheres que jamais haviam enfrentado a humilhação de ficar nuas em público. Todos passavam pelo banho coletivo, muitas vezes gelado. Os homens tinham ainda o cabelo raspado de maneira semelhante à dos prisioneiros de guerra.”

colonia-barbacena-3A colônia

O Colônia foi criado em 1903 e encerrou suas atividades em 1994.
Nela foram jogadas vítimas do preconceito, da conveniência familiar e do desconhecimento médico.
Pessoas eram levadas ao hospício devido a sinais de tristeza, timidez, homossexualidade, valores familiares equivocados a exemplo da perda da virgindade antes do casamento, arruaça, falta de espaço nas delegacias policiais e outros motivos banais.

Comércio dos corpos

A grande maioria saia de lá para o cemitério ou vendida, como cadáveres, para instituições de ensino, cuja renda era destinada à manutenção da entidade.
O retorno ao convívio familiar era considerado impossível devido à pecha impregnada aos hóspedes daquele inferno, que muito raramente e pequeníssima minoria recebia visitas de familiares.
colonia-barbacena-1
“Quando os corpos começaram a não ter mais interesse para as faculdades de medicina, que ficaram abarrotadas de cadáveres, eles foram decompostos em ácido, na frente dos pacientes, dentro de tonéis que ficavam no pátio do Colônia. O objetivo era que as ossadas pudessem, então, ser comercializadas.”

Ações políticas

O presidente Jânio Quadros, em 1961, incomodado com o diagnóstico do tratamento psiquiátrico no país promoveu ações para reverter a situação, mas, apesar dos movimentos opostos aos procedimentos usuais nos manicômios o ‘tiro de misericórdia’, no Colônia, só aconteceu em 1994, com a desativação da última cela, após vitimar aproximadamente 60 mil brasileiros entre 1930 e 1980.

Extinção dos manicômios

“De lá para cá, os discursos ganharam novo viés, como a necessidade de extinção dos leitos de baixa qualidade, com a garantia de contratação de leitos psiquiátricos em hospitais gerais. E apesar dos equívocos e acertos na construção de um novo paradigma para a saúde pública, a loucura ainda é usada como justificativa para a manutenção da violência e da medicalização da vida. É como se a existência pudesse ser reduzida à sua dimensão biológica e para todos os sentimentos existisse um remédio capaz de aliviar sintomas e de transformar realidade em fuga.”

Reforma dos hospícios

Apesar das manifestações no meio acadêmico que instigaram a necessidade de reforma nos tratamentos psiquiátricos a Lei Federal 10.216 só foi sancionada em 2011, com críticas, contundentes, de personalidades intelectualizadas da sociedade brasileira.
O documento, riquíssimo em detalhe, retrata uma realidade vergonhosa e acena à reflexão de outros holocaustos a exemplo dos que ocorrem nos presídios e nos procedimentos públicos relativos a usuários de droga. Nos convida a uma reflexão sobre a ‘lavagem cerebral’ imposta pela mídia preconceituosa, excludente e conveniente.
O texto, atual, é de uma excelência invejável e deve ser lido pelos sociólogos de plantão.

Onde comprar

Holocausto Brasileiro – Livraria Cultura
Holocausto Brasileiro – Livraria da Folha

Daniela Arbex

daniela-arbex-2Nasceu 19 de abril de 1973 em Juiz de Fora, Minas Gerais. É formada em Comunicação Social pela Universidade Federal de Juiz de Fora em 1995, iniciou a carreira no jornal Tribuna de Minas.
Conseguiu reconhecimento para o seu trabalho de repórter investigativa, especialmente a partir da série Cova 312, publicada em 2002.
A investigação sobre a sepultura do guerrilheiro Milton Soares de Castro, dado como desaparecido durante a Ditadura Militar, ganhou o Prêmio Esso, além de menções honrosas no Prêmio Vladimir Herzog e no Prêmio Lorenzo Natali.
Tem no currículo mais de 20 prêmios nacionais e internacionais, entre eles três prêmios Esso, o mais recente recebido em 2012 com a série “Holocausto brasileiro”, o Knight International Journalism Award, entregue nos Estados Unidos (2010), e o prêmio IPYS de Melhor Investigação Jornalística da América Latina e Caribe (Transparência Internacional e Instituto Prensa y Sociedad), recebido por ela em 2009, quando foi a vencedora, e 2012 (menção honrosa).
Em 2002, ela foi premiada na Europa com o Natali Prize (menção honrosa).

Referência bibliográfica

holocausto brasileiroArbex, Daniela, 1973
Holocausto brasileiro / Daniela Arbex. 1. Ed. – São Paulo: Geração Editorial, 2013.
ISBN 978-85-8130-156-3
1. Direitos humanos – Violação 2. Genocídio 3. Hospitais psiquiátricos 4. Hospital Colônia – Barbacena (MG) – História 5. Livro-reportagem 6. Pacientes hospitalizados – Maus-tratos I. Título.

O tango da velha guarda


A história tem como protagonista um elegante dançarino que se especializou em satisfazer os caprichos de mulheres abastardas, solitárias ou afeitas a aventuras sexuais, por opção ou atraídas pelo encanto de Max Costa.

Buenos Aires

buenos-aires-2O compositor Armando de Troeye viajou, em um cruzeiro, à Buenos Aires em companhia da sua esposa, Mecha Inzuanza, com o intuito de compor um tango.
Ao perceber que Max Costa, contratado do navio para animar os salões de baile, era um exímio dançarino de tango, estimulou a aproximação dele à sua companheira.

“…Armando de Troeye já havia felicitado Max por sua habilidade na pista de dança e mantinham uma conversa ligeira, adequadamente social, sobre transatlânticos, música e dança profissional. O autor dos “Nocturnos” — além de outras obras famosas, como “Scaramouche” ou o balé “Pasodoble para don Quijote”, que Diaguilev tornara mundialmente conhecido — era um homem seguro de si, constatou o dançarino mundano…”
“O tango, explicou Max, é uma mistura de várias coisas: tango andaluz, habanera, milonga e dança de escravos negros. Os gaúchos crioulos, à medida que foram se aproximando, com seus violões, de mercearias, armazéns e prostíbulos dos arredores de Buenos Aires, chegaram à milonga, e finalmente ao tango, que começou como milonga dançada. A música e a dança negra foram importantes, porque nessa época os casais dançavam enlaçados, não abraçados. Mais soltos que agora, com cortes, recuos e voltas simples ou complicadas.”

A periferia do tango

tango-3Armando revela a Max o seu interesse em conhecer particularidades do ritmo e o convence a leva-lo a ambientes que executem o estilo musical, na sua origem.
Receoso, Max concorda em leva-los para conhecer ambientes promíscuos na periferia da capital Argentina.
A aventura termina revelando segredos entre o casal, envolvendo o protagonista em um contexto inesperado, ao retornarem, bêbados, para o hotel onde o casal estava hospedado.
Sem pudor, o protagonista atua procurando tirar vantagem financeira.
Não fosse a beleza e elegância de Mecha, certamente, a história teria parado por ai: um casal, um dançarino e uma música emblemática.
Max e Mecha se apaixonam sem revelar ao outro o sentimento e Armando, com astúcia, estimula a aproximação entre eles e promove oportunidades para a quebra de convenções morais.
Apesar do protagonista não entender a intenção do casal Mecha conhecia as ideias permissivas do marido, reveladas e praticadas em outras oportunidades.
Enquanto Max procura entender o contexto que havia sido inserido o casal deleitava os prazeres mundanos em companhia do protagonista e cria situações desprovidas de segurança.

Xadrezista

sorrento-italy-1A história é desenvolvida em épocas e locais diferentes.
Começa em 1928 com a viagem do casal para Buenos Aires, Argentina, onde conheceram Max, migra para Nice, França, em 1937 tendo como pano de fundo a Guerra Civil Espanhola e o envolvimento de Max em aventuras políticas. Termina na cidade de Sorrento, Itália, com o aparecimento do xadrezista Jorge Keller.
Em Sorrento, Mecha revela a Max um segredo e o envolve no roubo das anotações do campeão mundial de xadrez, o russo Mikhail Sokolov, adversário de Keller.
As consequências foram desastrosas.
Salvo, apesar de quase triturado pelos seguranças do Sokolov, Max recebe os cuidados de Mecha e ao deitar-se para descansar ouve a revelação:
“— Toda minha vida se alimentou daquilo, Max. Do nosso tango silencioso no salão das palmeiras do Cap Polonio… Da luva que coloquei em seu bolso naquela noite no La Ferroviaria: a mesma que no dia seguinte fui buscar no seu quarto, na pensão de Buenos Aires.”
Max, por sua vez, destroçado, aproveita para contar a Mecha o início da sua história:
“— Estive pela primeira vez com uma mulher quando tinha 16 anos — lembra, lentamente, em voz baixa — e trabalhava como mensageiro no Ritz de Barcelona… Eu era muito alto para a minha idade, e ela uma hóspede madura, elegante. Finalmente, deu um jeito de me fazer entrar em seu quarto… Ao compreender, fiz o melhor que pude. E quando terminei, enquanto me vestia, ela me deu uma nota de 100 pesetas. Quando estava saindo, aproximei, ingenuamente, o rosto para lhe dar um beijo, mas ela afastou a face, irritada, com expressão de tédio…”

O colar de pérolas

Max revela a Mecha que a sua ida a Sorrento foi estimulada pela devolução do colar de pérolas que certa vez havia lhe roubado. Deixou a entender que a relação já não tinha mais a mesma importância, até porque a idade avançada era um fato limitante.
Ao despertar, Max, percebeu que a sua bagagem estava pronta para a viagem de fuga e no criado mudo a luva branca e o colar de pérolas tinham sido deixados por Mecha.
Com essa cena, o autor brinca com a imaginação do leitor, deixando-o imaginar porquê Max levou consigo apenas um dos objetos depositados por Mecha sobre o criado mudo.
O texto é rico em detalhes e a história envolve amor e aventura.
O leitor passa a imaginar possível o amor de um cafajeste e uma bela mulher, que se deixa usar pelos caprichos de um marido cujo caráter deixa a desejar.
Recomendo a leitura!

Arturo Pérez-Reverte

arturo-perez-reverte-1Nasceu na Espanha, Cartagena, em 24 de novembro de 1951.
É jornalista, escritor e membro da Real Academia Espanhola da língua.
A sua obra está traduzida em vários idiomas.
Antigo repórter de guerra, dedica-se à escrita desde finais dos anos 1980.
Editou os romances “O cemitério dos barcos sem nome”, “Território Comanche”, “O hussardo”, “O pintor de batalhas”, os seis romances da série de aventuras “Capitão Alatriste” e “O tango da velha guarda”.

Referências Bibliográficas

O tango da velha guardaPérez-Reverte, Arturo, 1951-
P516t
O tango da velha guarda [recurso eletrônico] / Arturo Pérez-Reverte tradução Luís Carlos Cabral. – 1.ed. – Rio de Janeiro: Record, 2013.
Formato: ePub
ISBN 978-85-01-40366-7
Título original – El tango de la Guardia Vieja
1. Romance espanhol 2. Livros eletrônicos. I. Cabral, Luis Carlos. II. Título.

segunda-feira, 28 de agosto de 2017

Entre quatro paredes

Jean-Paul Charles Aymard Sartre

A história coloca três personagens em um inferno hipotético, onde são obrigados a conviverem sem elementos que possam refletir a própria imagem, a não ser os olhos dos habitantes do confuso ambiente.
A filosofia existencialista, defendida por Sartre, responsabiliza o indivíduo na escolha do caminho que melhor lhe agrada e orienta sobre a importância dos sentimentos na vida das pessoas.

O seu carrasco

“Aquele que me olha é sempre o meu carrasco.”
Ou seja, apesar do indivíduo desejar ser refletido na melhor forma, os olhos dos outros ignoram esta aspiração e o enxerga, em profundidade, com o rigor que efetivamente ele, o indivíduo, não gostaria.
Sendo assim, a importância dos outros para cada um de nós gera influências que podem se tornar um inferno, devido à incapacidade humana de compreender nossas fraquezas.
Cita Sartre: “o inferno são os outros” numa alusão à imagem, de cada um de nós, refletida nos olhos de quem nos observam.

O paraíso é possível

A afirmação sobre a vigilância e o julgamento constante aos quais somos submetidos, não elimina a possibilidade de um paraíso.
Nesse caso, cabe ao indivíduo a responsabilidade da escolha do caminho que mais lhe agrada.
Resumidamente: apesar de o inferno ser os outros é possível a conquista do paraíso.

Convivência intensa

entre-quatro-paredes-3Entre quatro paredes, sem janelas, sem pausas para a vida cotidiana e descanso da observação aos olhos dos outros personagens, os três protagonistas foram obrigados a conviverem em plena intensidade.
Cita um dos protagonistas referindo-se ao piscar dos olhos, como fuga ao julgamento dos outros, como se os seus olhos fechados impossibilitassem as críticas de quem o observa.
“A gente abria e fechava; isso se chamava piscar. Um pequeno clarão negro, um pano que cai e se levanta, e aí a interrupção. (…) Quatro mil repousos em uma hora. Quatro mil pequenas fugas”.

O jornalista

Entre as quatro paredes, Garcin, um jornalista pacifista, que pretendia ser herói, mantinha um disfarce e tentava esconder o seu crime.
Sua maior agonia era a possibilidade das duas companheiras, no inferno hipotético, descobrirem a sua fraqueza ou covardia que, naquela situação, não poderia ser alterada.
Mulherengo, péssimo marido, insensível aos sentimentos da esposa, precisava dos olhos de Inês, outra protagonista, para se desculpar.

A funcionária

Inês, uma funcionária dos correios, com atitudes hostis, cujo ódio e a crueldade lhe nutrem, é a única entre os protagonistas que admite a culpa.
Reconhece estar no inferno e mostra o seu caráter, admitindo a situação que se encontram.
Adere ao fato e tenta tirar proveito dele.
Tinha uma reflexão interior profunda e consciência clara do papel a ocupar.

A burguesa

A burguesa Estelle cujo casamento foi realizado com um homem mais velho, por interesse financeiro, esconde o seu crime e tenta convencer Garcin e Inês que havia um engano em mantê-la no inferno.
Fútil, superficial e desorientada, necessitava dos olhos do jornalista, Garcin, para manter-se desejada vez que os valores superficiais a impediam de enxergar na forma mais adequada e consciente.

O inferno

Independente da intensidade, todos os protagonistas se olhavam e essa visão não passava do inferno de cada um. Cada um sabia os motivos de estar ali, conduto, tentavam esconder dos outros os fatos que os levaram à situação, para serem vistos como pessoas boas, exceto Inês, que não tinha esperança de mudança.
Enquanto Estelle e Garcin tentaram esconder os seus crimes, Inês expõe o por ela praticado e chama a atenção dos demais condenados, igualmente a ela, a permanecerem de forma irreversível, no lugar onde um é o espelho do outro. Tenta fazer com que Estelle enxergue Garcin através da avaliação dos seus olhos, como alternativa, já que ela o avaliava de forma superficial.
entre-quatro-paredes-2
A história segue com Inês tentando conquistar Estelle, que por sua vez procura se relacionar com Garcin, e, sabedores de que a consciência é liberdade condenada a existir, sem possibilidade de fuga Garcin se antecipa ao fechamento das cortinas e diz:
“Pois bem, continuemos…”

Jean-Paul Charles Aymard Sartre

jean-paul-charles-aymard-sartre-1Filósofo, escritor e crítico francês, conhecido representante do existencialismo.
Era um militante e apoiou causas políticas de esquerda.
Recusou a receber o Prêmio Nobel de Literatura de 1964.
Dizia que no caso humano a existência precede a essência, pois o homem primeiro existe depois se define, enquanto todas as outras coisas são o que são, sem se definir, e por isso sem ter uma essência posterior à existência.
Escreveu Os Dados Estão Lançados, Os Caminhos da Liberdade, O Sequestro de Veneza, As Palavras, A Náusea, e O Muro.

Referência bibliográfica

Sartre, Jean-Paul, 1905 – 1980
Entre quatro paredes / Jean-Paul Sartre; tradução de Alcione Araújo e Pedro Hussak. – 4ª ed.. – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.
Tradução de: Huis clos
INBN 978-85-200-0559-0
1. teatro francês (Literatura). I. Araújo, Alcione. II Hussak, Pedro. III. Título.
(R)

Resenha Crítica | O Estranho Que Nós Amamos (2017)


The Beguiled, de Sofia Coppola
Desde a exibição no último Festival de Cannes, a imprensa tem propagado que “O Estranho que Nós Amamos” de Sofia Coppola é uma resposta feminina e feminista para a versão aparentemente machista do original dirigido por Don Siegel em 1971. Comparado os filmes, ambos adaptados do romance de Thomas Cullinan (até hoje não traduzido no Brasil), a afirmação parece não encontrar respaldo, sendo somente um caso de uma mesma história que recebe tons distintos pelas personalidades distintas de seus realizadores.
No vídeo a seguir, dou destaque para a versão atualmente em cartaz nos cinemas, mas também reservo uma parte para descrever o impacto ainda causado pelo clássico que traz Clint Eastwood como John McBurney, soldado inimigo resgatado por um grupo de mulheres abandonadas à própria sorte em plena Guerra Civil.
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Data:
Filme:
O Estranho Que Nós Amamos
Avaliação:
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Resenha Crítica | Lady Macbeth (2016)


Lady Macbeth, de William Oldroyd
Muitos podem deduzir que William Oldroyd, a partir do texto de Alice Birch, está criando a sua versão feminina da tragédia de William Shakespeare em “Lady Macbeth”. Mas tal releitura é um mérito do escritor russo Nikolai Leskov, que em 1865 publicou na revista Epokha “Lady Macbeth do Distrito de Mtzensk”, hoje podendo ser encontrada em versão de curto romance em edição da Editora 34.
A intenção de Leskov é respeitada no primeiro longa-metragem de ficção de Oldroyd. Muito mais do que acompanhar o processo de conversão de Katherine (interpretada por Florence Pugh) de uma jovem pura para uma adulta fria e calculista, há o diagnóstico de um ambiente hostil responsável por essa transição, encarando as mulheres como meras serviçais ou esposas objetificadas.
No caso de Katherine, o seu lado diabólico é despertado quando surgem as brechas para escapar de uma rotina silenciosa em que não é satisfeita sexualmente pelo marido que a comprou, Alexander (Paul Hilton), ou tem o espartilho severamente atado em seu corpo pela empregada Anna (Naomi Ackie, excelente).
Tais gatilhos são ativados principalmente pela relação que desenvolve não tão secretamente com Sebastian (Cosmo Jarvis), também um empregado pelo qual se apaixona perdidamente. É com ele que Katherine  desperta os seus instintos mais primitivos, aos poucos conspirando contra aqueles que a rodeiam para controlar sozinha os bens da propriedade de Alexander.
A melhor escolha de William Oldroyd é a de entregar um filme de época rústico, com uma câmera na mão que abole as glamourizações que estamos habituados em contemplar em adaptações desse segmento. Muito pode ser dito também sobre o uso econômico da música de Dan Jones para o som diegético exercer maior papel dramático, dos respiros instáveis ao ruído do assoalho.
O que mais surpreende, no entanto, é a convicção com a qual Florence Pugh vive uma personagem tão complexa. Com dois créditos na tevê e somente um no cinema, a inglesa sabe quais os limites respeitar para que Katherine não se corrompa ao nível de se limitar a uma mera vilã desprezível. E isso acontece porque a sua Katherine está em perfeita sintonia com a crueza de uma realidade que passa a retrucar na mesma moeda.
Data:
Filme:
Lady Macbeth
Avaliação:
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Resenha Crítica | Onde Está Segunda? (2017)

What Happened to Monday, de Tommy Wirkola
Noomi Rapace foi apresentada ao mundo com o impacto de um furacão da espetacular trilogia sueca de “Millennium“, iniciada com “Os Homens que Não Amavam as Mulheres” e procedida por “A Menina que Brincava com Fogo” e “A Rainha do Castelo de Ar”. Apesar da facilidade para conseguir novos papéis em língua inglesa, “Onde Está Segunda?”, desde a quinta-feira no catálogo da Netflix, é definitivamente a primeira grande oportunidade que recebe para fazer algo tão memorável e sem precedentes como aconteceu ao viver Lisbeth Salander.
O filme é todinho dessa sueca de apenas 1,63 m de altura, que se desdobra em nada menos que sete papéis. Veja o comentário na íntegra que preparamos exclusivamente no canal do Cine Resenhas no YouTube no vídeo a seguir. Aproveite e, caso curta o conteúdo, não deixe de se inscrever.
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Data:
Filme:
Onde Está Segunda?
Avaliação:
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