quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Deixe-me Entrar (Let Me In)


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Todos sabem que "Deixe-me Entrar" é baseado no excelente "Deixe Ela Entrar", do diretor, escritor e roteirista sueco John Ajvide Lindqvist. Se comparar parece a palavra certa aqui, vou tentar ir por outro caminho e simplesmente dizer que uma obra completa a outra, como um universo paralelo onde tudo parece familiar, mas com diferenças claramente perceptíveis, o que deixa tudo muito interessante.  O filme conta a história de um ciclo que se repete há mais tempo do que podemos imaginar, explicando também como a sede de sangue de uma doce garota molda o destino daqueles que estão ligados a ela.

O diretor Matt Reeves, que conduziu o menor (mas interessante) "Cloverfield – Monstro", surge inventivo neste remake, trabalhando estilos diferenciados com a fotografia de Greig Fraser, que oferece desfoques contínuos e uma infinidade de reflexos de luz sempre estrategicamente posicionados, o que dá um ar criativo as cenas. A paleta de cores noturnas é bela e ao mesmo tempo crua, algo como um amarelo queimado, e a clareza fria das externas diurnas emula o "feeling" de filmes europeus - nada mais justo.

Reeves também recebe os créditos de roteirista da obra ao lado do autor original. Sua percebida colaboração no texto traz ênfase para cenas de impacto e facilita a aproximação psicológica dos personagens com o público ao focar de forma enfática a paixão infantil e pura do garoto protagonista, paixão esta que se contrasta com a dependência daquele que se considera um guardião da menina. A servidão está presente nas relações da jovem Abby, vítimas são necessárias para sua existência incompreendida.


Kodi Smit-McPhee, que possui uma carga dramática respeitável adquirida em excelentes filmes como "Romulus, Meu Pai" e "A Estrada", se mostra confortável como o tímido Owen. Sua quietude esconde um garoto deprimido pela rotineira e enfadonha vidinha do interior do Novo México, em 1985. Uma revolta interna surge devido as constantes agressões que sofre na escola, um bullying que aceita calado, contradizendo assim seus instintos de preservação. Sua relação com a família, desestruturada pelo divórcio, só exemplifica que ele tem muito pouco para aprender em casa, fato inteligentemente fortalecido pela falta de rosto de sua mãe.

Já a autenticidade da atriz mirim Chloe Moretz chama a atenção. Quem já viu "Kick-Ass : Quebrando Tudo", sabe que a garota possui uma maturidade que ironicamente combina com seu rosto de criança, algo extremamente conveniente para o papel de Abby. Ela consegue transpor de forma intuitiva o sentimento da personagem, que parece perdida no escuro, seguindo aquilo que seu instinto já lhe ensinou ser o correto. A naturalidade da atriz por vezes esbarra em sua precoce ascensão ao mundo do cinema, mas nada que prejudique o plano geral. Um show de atuação.


Já Elias Koteas aparece como um policial obstinado que tenta entender os acontecimentos bizarros que rondam sua cidade. Pouco de seu personagem é explorado, mas sua participação funciona bem, e serve para que os fatos sejam amarrados de forma satisfatória. Já Richard Jenkins tem poucas cenas, mas todas contundentes. Diante de um papel difícil, que envolve um relacionamento deveras deturpado, Jenkins se sai bem, dando vida ao um homem mórbido, que se vê preso a uma obrigação da qual não sabe como se desvencilhar. Na verdade ele não quer isso... na verdade ele já não pode.


A violência de "Deixe-me Entrar" é constante e necessária, mas o enfoque sempre demonstra que o sentimento de preservação não é uma escolha. A distorção e ofensa psicológica, efetuada pelos garotos da escola de Owen, acaba por vezes sendo mais forte do que uma jugular cortada. A maldade infantil é explorada de forma auspiciosa, assim como todas as interações desses personagens.

"Deixe-me Entrar" não é melhor e nem pior do que a obra original. Quem assistiu o longa de 2008 perceberá que a nova proposta se mostra mais  acessível, o que não significa que ela seja menos contundente. A percepção das relações é mais apurada, sendo esta a grande diferença. No final, percebemos que, enquanto o cinema se perde em histórias vazias daqueles que bebem sangue para se manter mortos eternamente, este longa é um presente formidável para os admiradores do tema. Um cenário criativo e respeitável dentro de uma mitologia rica em significados e sentimentos.


Deixe-me Entrar/ Let Me In: Inglaterra, Estados Unidos/ 2010/ 116 min/ Direção: Matt Reeves/ Elenco: Kodi Smit-McPhee, Chloë Grace Moretz, Richard Jenkins, Cara Buono, Elias Koteas, Sasha Barrese

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