segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Sobre Beleza Perdida: Um clichê não tão clichê assim

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Questionamentos, problemas e reflexões são os temas que permeiam minha última leitura e, ouso dizer, um dos livros mais lindos que já li até hoje. Beleza Perdida, da autora autopublicada Amy Harmon, foi publicado no Brasil no ano passado pela Verus e me mostrou que mesmo em meio a tantas histórias mal escritas para o público jovem, ainda podemos encontrar metáforas fortes e um texto bem construído em um livro que, pela capa e sinopse, pode parecer um clichê a la Nicholas Sparks.
            Na trama, somos apresentados a Ambrose Young e Fern Taylor, dois moradores de uma cidadezinha nos Estados Unidos. Ele, alto e musculoso, com cabelos que chegam aos ombros e olhos penetrantes. Como a própria autora diz, o tipo de beleza que poderia figurar na capa de um romance de banca. Já Fern é uma garota tímida e que, além de usar grandes óculos e aparelho dental, ainda tem que lidar com um corpo infantil mesmo que esteja na adolescência. Fern é feia – e Harmon também faz questão de frisar isso. Há romance no livro? Sim. Mas Beleza Perdida não é somente sobre o amor entre um garoto lindo e uma menina feia (ou seria o contrário?). Essa é a história de uma cidadezinha onde cinco jovens vão para a guerra e apenas um retorna. É uma história sobre perdas — perda coletiva, perda individual, perda da beleza, perda de vidas, perda de identidade, mas também ganhos incalculáveis. É um conto sobre o amor inabalável de uma garota por um guerreiro ferido. Mais do que me entreter, Beleza Perdida me relembrou quanto poder um livro pode ter na vida das pessoas. A história criada por Harmon é tão impactante que eu senti que precisava listar alguns tópicos sobre porque você deve dar uma chance a essa leitura.
Nunca me interessei por livros ‘’cristãos’’. Aliás, do pouco que li, me incomodei ao ler autores retratando rituais religiosos de um modo exagerado e utilizando versículos bíblicos fora de contexto. Em Beleza Perdida, Fern Taylor é filha do pastor da cidade e, sendo assim, é impossível que não haja citações bíblicas e questionamentos sobre o tema. Porém, a autora soube tratar o assunto de uma forma tão linda e natural que as metáforas bíblicas citadas se tornaram as minhas partes preferidas da história.
‘’Meu pai sempre cita essa passagem da Bíblia. É a resposta dele quando não entende alguma coisa. Já ouvi tantas vezes na vida que se tornou uma espécie de mantra —, disse Fern. — “Porque os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos os meus caminhos, diz o Senhor. Porque, assim como os céus são mais altos do que a terra, assim são os meus caminhos mais altos do que os vossos caminhos, e os meus pensamentos do que os vossos pensamentos.”
— O que isso quer dizer, Fern? — Ambrose suspirou, mas seu fervor havia esmaecido.
— Acho que significa que não entendemos tudo, nem vamos entender. Talvez os porquês não são respondidos aqui. Não por não existirem respostas, mas porque a gente não ia entender se elas fossem ditas.’’
O romance e os protagonistas
Finalmente um romance não convencional! Diferente da atual onda de livros YA*, em que a protagonista se vê logo encantada com o seu par romântico e imediatamente não consegue viver sem ele, o livro de Harmon nos traz a uma personagem forte e obstinada em auxiliar as pessoas ao seu redor, além de brincar com a ideia do mocinho perfeito – como estamos acostumados a ler nos romances românticos. Além disso, o amor dos dois é algo construído com o tempo e é uma delícia poder acompanhar as trocas de olhares e mensagens compartilhadas entre os dois no decorrer do livro.
‘’- Por que você age como se eu fosse o antigo Ambrose? Você age como se quisesse que eu te beijasse. Como se nada tivesse mudado desde a época da escola.
– Algumas coisas não mudaram – disse Fern em voz baixa.
– Claro que mudaram, Fern! – Ambrose esbravejou, batendo a mão no painel do carro, fazendo-a dar um salto. – Tudo mudou! Você é linda, eu sou horroroso; você não precisa mais de mim, mas eu com certeza preciso de você!
– Você age como se beleza fosse a única coisa que faz as pessoas serem dignas de amor – Fer retrucou. – Eu não te am-amava só porque você era bonito! […]’’
Os horrores da guerra
Outro ponto interessante da trama é que, junto com Ambrose, podemos sentir como é voltar de uma guerra e enfrentar todos os horrores que ela pode causar. As marcas físicas e emocionadas deixadas pelo atentado do 11 de setembro e a guerra do Iraque nos moradores, as mortes geradas nos conflitos e o modo como os personagens lidam com as perdas são verossímeis e nos fazem refletir sobre como seria se estivéssemos nos lugar deles.
Beleza exterior x Beleza interior
A autora fez um ótimo trabalho ao falar sobre a beleza interior. Em uma época na qual a busca pela perfeição é tão comum na vida dos jovens, falar sobre o que realmente é ser bonito pode servir de auxílio para muitos leitores preocupados com a imagem que querem passar para os outros. Enquanto a protagonista é uma garota nada compatível com os padrões de beleza, suas atitudes nos revelam uma pessoa bela e humana. E, no fim, é isso que importa.
‘’A verdadeira beleza, aquela que não se desvanece ou se esvai, precisa de tempo, de pressão, precisa de uma resistência incrível. É o gotejamento lento que faz a estalactite, o tremor da Terra que cria as montanhas, o constante bater das ondas que quebra as rochas e suaviza as arestas. E da violência, do furor, da ira dos ventos, do rugido das águas emerge algo melhor, algo que de outra forma nunca existiria. E assim suportamos. Temos fé na existência de um propósito. Temos esperança em coisas que não podemos ver. Acreditamos que há lições na perda e poder no amor, e que temos dentro de nós o potencial para uma beleza tão magnífica que o nosso corpo não pode contê-la.’’


* Literatura Young Adults, abreviada como YA, pode ser definida como Literatura para pessoas de 14 a 21 anos. Separa-se de Literatura infantojuvenil por deixar de lado a ingenuidade dos protagonistas e concentrar-se em temáticas mais adultas.

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