terça-feira, 22 de dezembro de 2015

PRINCE – HITNRUN PHASE TWO (2015)

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Prince fica menos pretensioso, mais orgânico e acerta na mosca
Por Lucas Scaliza
Entre 2014 e 2015, Prince colocou no mercado nada menos que quatro novos discos de material inédito e material retrabalhado, como mostra a primeira metade deste novo trabalho, o irregularHITnRUN Phase One, que alterna momentos de criatividade e beleza com outros muito menos inspirados, quando não pretensiosamente artísticos.
A fase dois de HITnRUN, contudo, entrega um Prince bem mais equilibrado. De cara o disco nos dá a ótima “Baltimore”, música que ele já havia liberado sobre os protestos e a tensão racial na cidade que dá nome à música após Freddie Gray ser morto pela polícia em abril, iniciando um levante. É um pop bem feito, com muito coração e com inegável teor político. Fazia algum tempo que contextos sociais não eram abordados nas músicas de Prince.
Com uma linha de baixo espertíssima, a ótima “Rocknroll Loveaffair” nos mantém na mesma pegada da primeira faixa, curtindo um lado mais leve do compositor, mas com balanço, com apelo comercial e com paixão. E se quiser continuar gostando, é só deixar o disco rolar com “2.Y.2.D.” e seus arranjos de metais adornando a canção a cada compasso. O R&B de “Look At Me, Look At U” flerta com o jazz para fazer uma das canções mais ternas e deliciosas do trabalho.
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Três músicas até agora e Prince não usou o falsete nos versos. As músicas têm groove e são dançantes, mas sem cair no eletrônico. Coma guarda baixa ele se expressa com menos pretensão, dando à Phase Two uma receita gostosa de soul, funk e pop de respeito. Os ritmos são constantes, deixando para os arranjos de piano, saxofone e flauta a função de ir construindo as características de cada canção. O baixo, um instrumento importantíssimo desta vez, é o senhor da base na ótima “Stare” e na dançante “Xtraloveable”.
Se havia EDM na fase um, dessa vez Prince optou acertadamente por fazer tudo organicamente. O instrumental é exuberante e suingado como apenas mãos humanas conseguem executar. Os timbres são suaves e bem cuidados, envernizados pelo uso apenas de instrumentação e meios de gravação analógicos. Para conseguir esse resultado, o cantor contou com a ajuda da banda The New Power Generation, que já contribuiu várias vezes com Prince, e com um grupo de sopros de Minneapolis chamado Hornheads.
As faixas não apresentam grandes surpresas em sua estrutura, mas a cada nova faixa encontramos um novo motivo para sorrir para Prince. Fica difícil escolher músicas preferidas emHITnRUN Phase Two tal é o bom gosto empregado em todas. É verdade que todas são bem regulares em comparação com as viradas e os elementos mais alternativos que usou nos últimos três discos, mas essa regularidade vem coberta de estilo e diversão.
Mas se temos que eleger uma (não temos, mas queremos), essa seria “Groovy Potential”. Ela reúne o melhor de Prince: a voz limpa, o refrão simples e marcante sem soar bobo, baixo e bateria extremamente bem casados para criar levadas que aumentam de intensidade e mantém a canção pulsante. Embora a dinâmica aumente e diminua, nunca soa explosiva, mantendo o balanço do funk tomando conta da faixa do começo ao fim.
A balada “When She Comes” é a primeira nova música a apresentar o falsete de Prince. A segunda é outra balada romântica, “Revelation”. “Screwdriver” é o primeiro rock de fato do álbum, cheio de groove e trazendo a guitarra para o primeiro plano, emulando a faceta divertida do estilo nos anos 70. “Black Muse” é outro aceno para o soul e o funk setentista, seja em sua versão mais pop (como se verifica nos vocais em coro e refrãos) ou seja no instrumental caprichado, cheio de viradas e fraseados de ligação entre uma parte e outra da canção. É outra das preciosidades do disco. “Big City” resgata a animação e o clima de boas vibrações do disco para encerrá-lo com um funk vistoso e aveludado.
Aos 57 anos, Prince tem uma enorme discografia e uma fome de música que nunca é plenamente saciada. Esta segunda parte de HITnRUN foi construída inteiramente por trechos e harmonias que já estavam circulando ao redor do artista há bastante tempo. É como se ele tivesse reciclado as ideias e finalmente encontrado uma materialidade definitiva para elas. Não sei até onde podemos criticá-lo por isso, uma vez que diversas músicas do Radiohead também estiveram por aí, sendo executadas ao vivo, muitos anos antes de ganharem forma final em seus discos. Isso faz parte da forma como Prince trabalha em estúdio: primeiro ele grava demos que podem se tornar o centro do disco em que está trabalhando. Em seguida, revisita uma infindável lista de músicas que nunca foram lançadas oficialmente em busca de composições que se adequem aos temas gravados nas demos. Por último ele escreve as canções que serão single.
HITnRUN Phase Two não vai superar seus melhores trabalhos, mas chega perto. Pode não ter muitos momentos de arrebatamento sonoro ou sentimental, mas não possui uma escolha mal feita e não deixa as good vibes de lado em momento algum. Sem dúvida, a melhor coleção de canções que ele coloca no mercado desde a década de 1990.
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