terça-feira, 10 de novembro de 2015

A Invenção de Hugo Cabret (Hugo)

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#Tudo Tem Conserto

Martin Scorsese é um profundo admirador dos pioneiros da arte. Ele já explorou com tenacidade as origens de mestres da música, como Bob Dylan eGeorge Harrison, mas é a história do cinema sua óbvia paixão. Depois do abrangente A Personal Journey With Martin Scorsese Trough American Movies (no qual esmiúça com riqueza de detalhes os grandes clássicos do cinema americano), ele agora produz o mais didático de seus filmes, praticamente uma obra documental que se mascara de conto de fadas.

A Invenção de Hugo Cabret apresenta a tocante história do garoto Hugo, que vive em um imenso relógio na cidade de Paris, mais especificamente na estação de trem da capital francesa, a Gare Du Nord. Ainda sofrendo com a morte do pai relojoeiro, Hugo exerce seu dom de consertar coisas, sendo sua missão reformar um misterioso autômato, no qual trabalhava em parceria com o pai. Quando não está cuidando do necessário relógio da estação, ele se mistura as inusitadas figuras que povoam esta Paris dos sonhos, cidade luz, berço do cinema. E é com o dono de uma loja de brinquedos, Georges Méliès, que o jovem viverá a maior de suas aventuras.

De forma emocionante, Scorsese homenageia então o famoso Georges Méliès, icônico diretor dos primórdios do cinema, que tem como obra mais cultuada o filme Viagem à Lua, de 1902. Na época, os irmãos Lumière haviam acabado de inventar o cinema, mas não possuíam a verve criativa que o mágico circense Méliés possuía. Sua famosa obra possui uma emblemática cena gravada no inconsciente de todos: um foguete que atinge a lua, bem no olho, de forma certeira, fazendo com que a mesma chore de dor. A riqueza deste filme de 10 minutos exemplifica bem o fascínio de Scorsese pelo diretor. Suas técnicas de profundidade e cenários suntuosos eram extremamente geniais para a época. Nada igual aquilo existia. Méliès e seu grupo de atores também inventaram a rotoscopia, que é basicamente o ato de pintar os frames (ou quadros) diretamente no rolo do filme.

O fato é que Méliès acabou sendo esquecido, sua obra se perdeu e sua importância nunca pode ser medida. É isso que Scorsese tenta corrigir em A Invenção de Hugo Cabret. Assim como seus personagens, ele busca consertar algo, uma injustiça esquecida. Méliès com certeza se surpreenderia ao saber que, mais de um século depois, um de nossos maiores diretores de cinema o homenagearia de forma tão bela.

E para dar valor real a esta proposta narrativa, o próprio Scorsese se arriscou em um campo duas vezes desconhecido, se permitindo ousar e transformar seu cinema em sonho pela primeira vez.  

A Invenção de Hugo Cabret é um longa com crianças (não para crianças, somente) e isso é algo completamente novo para ele, que já entregou épicos de violência, crua e real, como Os Bons Companheiros e Taxi Driver. Além disso, o filme é a primeira incursão do diretor no universo 3D, do qual se utiliza de forma magistral, exercendo profundidade perfeita aos longos passeios de sua câmera pelas plataformas da estação, nos dando a perspectiva exata das engenhosas artimanhas de Méliès, ou seja, enriquecendo visualmente sua obra, fazendo dela também uma simbólica ferramenta de mensagem.


O roteiro de John Logan, que adapta a obra de Brian Selznick, tem lá suas pequenas inconsistências. O foco do texto acaba não sendo o mais conexo, oscilando bastante entre Hugo e Méliès, desenvolvendo melhor a personalidade do segundo e deixando o primeiro mais como um elemento da natureza, que não precisa de porquês, um cineasta da vida real que assiste a tudo a distância, interferindo quando os rumos da história assim desejam.

Tecnicamente o filme é perfeito. Efeitos especiais ornamentam a magíca história que está sendo contada. Movimentos de câmera improváveis surgem a todo momento, e cenários incríveis se revelam. Um show que envolve montagem, edição e construção impecável de cenas (o Globo de Ouro 2012 de melhor direção foi merecido, e no Oscar a produção levou cinco importantes prêmios técnicos). Isso sem contar a fotografia dourada, reluzente, os figurinos, a caracterização e a direção de arte mais que eficiente.

No final, A Invenção de Hugo Cabret apresenta a matéria prima de sonhos reais, cinema em sua mais pura essência. As referências feitas a atores e obras clássicas são inúmeras. Scorsese entrega um trabalho carregado de significados, pontuando a riqueza da busca pelo impossível, o reconhecimento e a relevância do injustiçado, o aprendizado de que cada um tem seu papel nesta inesperada vida real, a transformação de sonhos em realidade (e vice versa). Só que a mensagem mais importante é que: para tudo existe conserto, seja peça, chave ou alguém. Basta sonhar, ousar e amar. Recomendado.


A Invenção de Hugo Cabret/ Hugo: Estados Unidos/ 2011/ 126 min/ Direção: Martin Scorsese/ Elenco: Ben Kingsley, Sacha BAron Cohen, Asa Butterfield, Chloë Grace Moretz, Ray Winstone, Emily Mortimer, Christopher Lee, Michael Stuhlbarg, Jude Law

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