Alice Through the Looking Glass, de James Bobin
Tim Burton foi severamente criticado ao oferecer para a nova geração a sua versão de “Alice no País das Maravilhas”, escrito por Lewis Carroll e um dos maiores clássicos infantis de toda a história da literatura. A razão seria o tratamento correto que conferiu à adaptação, rendendo um resultado que satisfaria a todos os públicos sem assumir muitos riscos. A avaliação não é muito justa, pois Burton se mostrou apto a imprimir a sua assinatura em um universo de fantasia muito particular.
Porém, algo que o realizador trouxe a mais sem considerar o comprometimento da inevitável sequência foi o uso antecipado de muitos elementos essenciais do livro “Alice Através do Espelho”, que ganha vida nos cinemas seis anos após “Alice no País das Maravilhas” com James Bobin assumindo o comando. Restou a roteirista Linda Woolverton (de “Malévola”) encontrar soluções para a escassez de matéria-prima saída da mente de Lewis Carroll, dando à Alice uma nova aventura quase original para justificar o seu retorno.
A australiana Mia Wasikowska segue encantadora como Alice Kingsleigh, substituindo a típica busca por um noivo pelas expedições em águas turbulentas com o navio que herdou de seu pai. Ainda assim, as pressões de uma sociedade que encara a independência de uma jovem mulher como um ultraje podem colocar um ponto final em suas viagens. Uma saída deve ser encontrada em seu retorno ao mundo mágico habitado pelo Chapeleiro Maluco (Johnny Depp, que reprisa o papel de modo menos espalhafatoso), deprimido em um momento em que a paz impera.
A razão da tristeza do Chapeleiro Maluco é o que vai dar combustível para a narrativa, agora sem muito estofo para sustentar um longa-metragem com mais de 100 minutos de duração. Na prática, “Alice Através do Espelho” se comporta como um pilar sustentando dois pesos, um com uma medida positiva e o outro com uma medida negativa. Há aqui a liberdade para deixar a criatividade aflorar e propor ao público algo ainda não visto nas encarnações passadas de Alice, mas há também a falta de uma bússola para um rumo mais seguro.
O processo de ganhos e perdas se estende em outros aspectos de “Alice Através do Espelho”. Algo a se comemorar com o retorno dos personagens do filme original é a evolução na qual são submetidos. Merece uma apreciação cuidadosa a relação entre a Rainha Branca (Anne Hathaway) e a Rainha Vermelha (Helena Bonham Carter), irmãs que vão confrontar um passado que nos fará flagrar ações e consequências surpreendentes. Por outro lado, a seriedade dessa e de outras relações suprimem o espírito infantojuvenil da história. Falta em “Alice Através do Espelho” espaço para os risos, que se manifestam esporadicamente e com muita timidez.
Entre pós e contras, o filme só atinge um resultado por fim razoável por haver um empenho em oferecer uma experiência visual ainda mais impactante que “Alice no País das Maravilhas”. Se Tim Burton se contentou com uma conversão em 3D capenga, James Bobin consegue em “Alice Através do Espelho” um efeito de imersão. Mais de um ano em pós-produção, o filme traz imagens surreais arrebatadoras a partir do momento em que Alice tem acesso à cromosfera, objeto que a fará voltar ao passado para acertar adequadamente os ponteiros para o futuro. O diferencial, no entanto, não deve ser suficiente para assegurar uma trilogia.
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