por Ronaldo D'Arcadia
Com adaptações de histórias em quadrinhos sendo praticamente exauridas pelo mercado cinematográfico, podemos ver como Warren Beatty foi visionário ao adaptar Dick Tracy para as telonas.
Filmes de heróis são taxados por muitos como mero entretenimento vazio, apenas um motivo para a máquina Hollywoodiana encher seus bolsos... o que vem dando muito certo, pra falar a verdade. Já os fãs defendem seus heróis com unhas e dentes, pois afinal, nada mais justo do que transpor todo o arrojo visual de um gibi para as telas. Querendo ou não, as duas linhas de pensamentos são corretas. Dentro do gênero, temos obras que: possuem qualidades e dão dinheiro, possuem qualidades e não dão dinheiro, não possuem qualidades e dão dinheiro, e o framboesa épico... não tem qualidade e não dá dinheiro (Ben Affleck sabe do que estou falando).
Só que bem longe desta realidade estereotipada, por assim dizer, está "Dick Tracy", longa de 1990 dirigido por Warren Beatty, baseado nas histórias do personagem criado por Chester Gould. O detetive teve sua primeira tira lançada em 1931 no jornal Chicago Tribune Syndicate – uma época de muitos crimes na cidade, que se tornou um ótimo berço para o autêntico combatente do crime.
Muitos beberam da fonte de Gould, ele realmente guiou gerações. Um exemplo de sua importância foi a influência no trabalho do grande Will Eisner, criador do personagem The Spirit... que recentemente deu as caras no cinema pelas mãos, do também influenciado, quadrinista Frank Miller... este por sua vez criador de obras como "Sin City" e "300" - esta é apenas uma das ramificações da obra de Gould, que já exemplifica sua importância. O Denny Colt de Eisner é claramente inspirado em Tracy, com diferenças obviamente claras: Tracy está vivo e Colt meio vivo.
A história de "Dick Tracy" é muito simples, uma homenagem emblemática que revive as originais tirinhas de jornal. É o seguinte: há bandidos novos na cidade e eles são liderados pelo "barra pesada" Big Boy Caprice. Ele quer acabar com Tracy, e para isso cria diversos planos a fim de chantagear e fazer com que o detetive fique desacreditado perante a cidade. Em meio a isso, Tracy precisa cuidar de sua namorada Tess e seu novo amigo, um garoto de rua muito esperto.
O que o enredo tem de básico a produção tem de espetacular. Ela é o grande trunfo do filme, afinal, foram nove indicações ao Oscar, das quais ganhou melhor direção de arte, melhor maquiagem e melhor canção original, além de ter concorrido pela estatueta de melhor ator coadjuvante (Al Pacino), melhor som, melhor figurino e melhor fotografia.
A maquiagem é algo excepcional. Perfeita em sua composição, ela simplesmente constrói todos os inimigos de Tracy, que são mostruosamente feios, com cabeças grandes, queixos desproporcionais e orelhas pontudas. É tudo tão maneiro que em poucos minutos esquecemos que aquilo é uma versão disforme de Al Pacino ou Dustin Hoffman. Com cenários grandiosos e fundos falsos de se perder de vista, a produção não contava com toda a parafernália e efeitos especiais que dominam as produções de hoje. Na verdade, as filmagens apresentaram muitas inovações, como por exemplo: a fita foi o primeiro lançamento com som digital, o que destacou ainda mais a fantástica trilha sonora orquestral composta pelo gabaritado Danny Elfman, que um ano antes havia trabalhado com Tim Burton em "Batman" - Elfman também é o criador do tema de abertura de " Os Simpsons"... só isso!
Um ponto fundamental na direção de Beatty são as cores, ele buscou ser o mais fiel possível as tiras de Gould. O vermelho, azul, preto, branco, amarelo, verde, laranja e lilás dominam os cenários, é tudo muito colorido. Todos os carros de época foram pintados de forma gritante, assim como os trajes. Por diversos momentos vemos cenas que nos remetem ao estilo usado por Robert Rodrigues em "Sin City" - filme sanguinário que também é uma adaptação da obra do já citado Frank Miller. A semelhança está nos fundos monocromáticos, que destacam os personagens de forma gráfica.
O time de atores é memorável. Beatty como Tracy está muito bem, com sua pose de eterno galã e sua experiência com filmes de ação e comédia. O mesmo pode ser dito de Al Pacino com seu Big Boy Caprice, uma versão cômica e desvairada de um gangster sádico, elemento dominado com maestria pelo ator. É engraçado perceber como Big Boy é bem mais interessante do que Tracy (elemento que era usado por Gould em suas tiras: os vilões eram os destaques).
O filme traz também Madonna (em sua fase... vamos dizer...fatal) interpretando a sedutora cantora Breathless Mahoney, que tenta de todas as formas seduzir Tracy. Já Dustin Hoffman está impagável como o incompreensível Mumbles, Paul Sorvino é Lips Manlis (outro experiente gangster em ação), Kathy Bates faz a Sra. Green, e o sempre vilão James Caan surge como Spaldoni.
"Dick Tracy" é um filme de ontem com cara de hoje. A obra se mostra mais do que atual no cenário de "HQs alternativas de antigamente adaptadas para o cinema". Warren Beatty, que já fez sucessos inesquecíveis como "Bonny e Clyde – Uma Rajada de Balas" e "Bugsy", praticamente decifrou o futuro ao apostar em um filme ousado e muito caro para época (foram R$ 47 milhões). O resultado foi indiscutivelmente relevante. Veja de novo!
Dick Tracy: Estados Unidos/ 1990/ 101 min/ Direção: Warren Beatty/ Elenco: Warren Beatty, Charlie Korsmo, Madonna, Al Pacino, Dustin Hoffman, Kathy Bates, James Caan, Dick Van Dyke
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