Na Hollywood lamentavelmente careta de hoje em dia, é muito comum um projeto como “A Garota Dinamarquesa” ser uma vítima de uma série de reveses. Há quase dez anos, o projeto estava nas mãos de Nicole Kidman, com interesse em produzir e protagonizar a história sobre a transexual Lili Elbe. No entanto, mais do que as dificuldades em levantar o financiamento, Nicole não conseguiu alguém para viver Gerda Wegener, a companheira de Lili, um papel declinado por atrizes como Charlize Theron, Gwyneth Paltrow e Rachel Weisz.
Agora, “A Garota Dinamarquesa” ganha formas com Tom Hooper no comando, mas com todas as modificações perceptíveis em uma produção que passou por um sem número de mãos. Isso porque essa encenação sobre o pintor Einar Mogens Wegener e a sua decisão em ser a primeira pessoa a se submeter à cirurgia de mudança de sexo se preocupa menos com esse dado e mais na potencialidade romântica que ele gera.
Com uma fisionomia pouco atrativa e, ao mesmo tempo, singular, Eddie Redmayne tem também uma androgenia que o torna uma escolha perfeito para viver Einar/Lili. E se restava alguma dúvida sobre o seu talento desse vencedor do Oscar “A Teoria de Tudo”, em “A Garota Dinamarquesa” o vemos novamente em um trabalho extremamente meticuloso de composição.
É ainda como Einar que o vemos no primeiro ato, casado com a também pintora Gerda (Alicia Vikander). Enquanto ele é especializado no registro de paisagens, Gerda busca decolar ao fazer retratos. Na inocência de substituição parcial de uma modelo, Einar adota com naturalidade os adereços femininos e, paulatinamente, reconhece o próprio corpo como algo que não corresponde à mulher que descobre habitar o seu ser, a qual batizará como Lili.
Agora notório por suas composições questionáveis de imagem, como o flerte descuidado com o plano holandês e o uso de grande angular com os atores como assunto, Tom Hooper até poderia recorrer a essas escolhas estéticas como uma representação da distorção de seu protagonista. Não é o que acontece, pois o seu preenchimento inadequado de quadro resiste até o final. Notem não apenas os elementos cenográficos que emolduram as imagens, como também os planos e contra planos com personagens totalmente alinhados à esquerda ou direita quando o ponto de contato visual está centralizado.
Por outro lado, é preciso conferir mérito a Hooper pelo despudor em explorar o corpo de Eddie Redmayne, algo tão importante para compreendermos a natureza verdadeira de sua personagem. Até porque “A Garota Dinamarquesa” resulta como uma experiência frustrante justamente por Lucinda Coxon fazer um uso inadequado tanto do romance de David Ebershoff quanto da própria biografia de Einar, infantilizando a complexa situação a um mero jogo de onde está Einar e onde está Lili, como se o primeiro fosse uma entidade que pudesse reaparecer a cada clamor de Gerda.
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