quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Fair Play

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O meio empresarial corporativo não é brincadeira. É por meio dele que o diretor e roteirista Lionel Bailliu nos apresenta uma história carregada de emoção, suspense e atitudes politicamente incorretas. Esqueça o fair play, porque nesse filme ninguém joga limpo. 
Esta obra francesa de 2006 chegou a pouco no Brasil, de forma bem discreta e incomoda, como de costume. Talvez o motivo do lançamento em nosso país seja a presença de Marion Cotillard, a talentosa atriz que ganhou o Oscar por “Piaf – Um Hino ao Amor”. Mas sua participação é apenas um dos fatores que fazem este excepcional filme funcionar tão bem.

O formato é muito inusitado. A trama se desenrola por meio de diálogos dos personagens que, no momento, estão praticando algum tipo de atividade física. Os cenários são: Uma remada, uma partida de squash, jogging (o nosso famoso cooper), caminhada com rapel em cachoeiras.

A história gira em torno da liderança de uma empresa, onde chefes e parceiros de negócios discutem passo a passo suas atitudes no meio comercial, ou melhor, no meio “capitalista selvagem” em questão. Aparentemente o chefe Charles está perdendo o controle diante das traições mútuas de seus imediatos Alexandre e Jean-Claude. Complicações que estão fazendo a empresa perder clientes, manchando assim a imagem do líder para seu sogro e chefão Édouard, que teme o futuro da empresa, ainda mais depois da secretária Nicole abrir um processo de abuso contra seu genro.
O clima é muito tenso. O publico é conduzido e muitas vezes enganado pelas diversas reviravoltas. Em uma das cenas mais simbólicas do filme – imagem que acabou servindo de capa para o filme -, a partida de squash é perfeita em sua totalidade. Ela exemplifica bem o poder do controle, da capacidade de virar o placar, de se fingir fraco para se levantar mais forte, e por fim, claramente saber as regras do jogo. Seguindo uma ordem cronológica, a trama se revela com saltos bruscos. A negociação da conversa anterior se torna o fracasso em análise do diálogo seguinte. Tudo de forma auspiciosa e extremamente criativa.

O diretor e roteirista Lionel Bailliu, que já fez o também esportivo “Squash”, de 2002, traz o estilo europeu clássico na hora de filmar, intercalando com um tom documental, de bastante movimento e aproximação, fazendo assim uma mistura prazerosa de se acompanhar. Seu texto é impecável. Todos os exageros de certos elementos são passados com tanta naturalidade e ênfase, que no final estamos torcendo por um ou outro personagem, mesmo sendo eles víboras bem treinadas e inconseqüentes.

Todo esse esquema não seria possível sem o excepcional time de atores. Eric Savin, que interpreta o chefe Charles, traz toda a humanidade para este empresário de 40 e poucos anos que pensa estar preparado para tudo, mas vê seu mundo desabando da noite para o dia. Longe de ser ingênuo, Charles sabe que não é apenas seu trabalho que está em jogo, e sim seu casamento, e o desespero acaba alimentando suas atitudes.

Benoît Magimel, ator que tem extenso currículo de filmes franceses pouco conhecidos fora de seu país, faz de Jean-Claude o cafajeste perfeito. Seu personagem é uma verdadeira incógnita. Pode ser engraçado e muito correto em seus pensamentos, mas também se revela um lunático assustador. Ele é peça chave em todo o desenrolar da história e sua personalidade inusitada realmente chama a atenção.  Jérémie Rénier tem pouco tempo de carreira, mas já protagonizou importantes filmes, como o vencedor de Cannes “A Criança”, dos irmãos Dardenne.

Seu personagem Alexandre é talvez o mais perturbado ou o mais cínico de todos e sua ganância faz com que ele bata de frente com Charles e Jean Claude, mas o rapaz parece sempre ter um Ás na manga.  Já Marion Cotillard interpreta Nicole, uma verdadeira ilusão. Quem a vê com seu ar de garota comportada nem imagina as besteiras que a jovem é capaz de fazer. Num verdadeiro jogo de gato e rato, vence quem é mais forte e mais rápido. Todos têm algo a ser enterrado, ou mesmo estão prestes a ser enterrados por isso.
O filme não segue um padrão, fazendo com que todos tenham seus momentos de razão e seus momentos de vilão, e utilizando desse artifício lados não escolhidos, deixando para o público o julgamento do que está certo ou errado. Talvez Charles seja duro demais com os funcionários, mas ele realmente quer melhorar as coisas. Nicole está acusando Charles, mas não é inocente no envolvimento entre os dois, tudo que ela queria era ficar fora da vista de todos. Jean Claude parecia leal, mas e se alguém o traísse, ele não teria o direito de revidar? Questionamentos básicos das relações humanas exemplificadas de forma coesa e original, e sem dúvida no lugar perfeito: o competitivo meio empresarial corporativista.

A mensagem que fica é clara: é da natureza humana fazer de tudo para sobreviver, mesmo que para isso seja preciso fechar os olhos e esquecer o fair play.

Fair Play: França/ 2006/ Direção: Lionel Bailliu/ Elenco: Eric Savin, Benoît Magimel, Marion Cotillard, Jérémie Renier, Mélanie Doutey, Jean-Pierre Cassel

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