por Ronaldo D'Arcadia
Em "Ex Drummer", o diretor Koen Mortier conta de forma realista e perturbadora a história de uma banda de deficientes, vivendo em uma sociedade disfuncional, tentando realizar o sonho de se ter algo que valha pena... Mesmo que seja tudo uma grande loucura.
Baseado na obra homônima do polêmico novelista flamenco Herman Brusselmans, "Ex Drummer" é algo confuso, indigesto e, acima de tudo, uma análise sórdida e corajosa de uma Bélgica ignorante e quimicamente letal.
Dries é um famoso escritor que vive de forma privilegiada em sua casa de alto padrão. Sua mulher gosta de aventuras sexuais a três e ele se dedica integralmente a escrever seus livros. Certo dia, três deficientes (eles fazem questão de enfatizar isso) batem a sua porta lhe oferecendo uma vaga de baterista em sua banda de, exclusivamente, deficientes. A ideia do convite aconteceu após os mesmos lerem em uma entrevista que Dries sabia tocar bateria. Eles pensaram que esta era uma boa oportunidade de chamá-lo para banda. A celebridade incrivelmente (ou nem tanto) aceita a proposta... e assim começa o filme.
O conjunto é formado pelo vocalista de língua presa Koen. Sujeito assustador, que pode ser descrito como um sádico maluco por sexo. Seu hobby é espancar e estuprar mulheres. Já o baixista gay Jan tem um problema no braço, que é rígido, e ele não consegue dobrá-lo. Tal mazela surgiu no dia em que sua mãe o pegou se masturbando em seu quarto, evento que também causou a calvície da pobre coitada. O guitarrista Ivan tem uma surdez psicológica e aparentemente é o mais normal da turma, apenas usa muitas drogas e trata sua mulher e filha como lixo. Como podem perceber todos tem uma deficiência, e a de Dries é não saber tocar bateria de verdade.
O escritor, que é reconhecido por praticamente todos os personagens do filme - dos espertos até os mais ignorantes-, entra nessa epopéia obviamente para viver a experiência de um mundo incrivelmente insano, e assim ter combustível para sua próxima obra. O mais interessante de tudo é que a banda acaba funcionando. Todos tocam bem, o som é redondo, e músicas como o cover do Devo "Mongoloid" são interpretados com muito "feeling" pelo quarteto.
Em meio a uma enxurrada de problemas, a banda segue seu caminho com a alcunha de "The Feminist". Dries batiza a banda com esse nome alicerçado pela a teoria de que quatro deficientes valem a mesma coisa que quatro feministas. Todos adoram o nome. Eles ensaiam arduamente em meio a muitas drogas e brigas, visando se apresentar em um festival que será realizado na cidade, festival que acabam ganhando. Dries depois disso abandona a banda, não se importando nem um pouco em dizer adeus ou algo assim, ele manipulou aqueles loucos miseráveis e se mandou chutando a porta!
O diretor e roterista Koen Mortier é realmente muito inventivo na direção, trazendo extrema qualidade técnica para o longa, como o uso eficiente da câmera em movimento, longas e ótimas cenas sem cortes, edição excepcional. O grupo de atores desconhecidos encarna a loucura dos personagens como sendo deles. Em alguns momentos até esquecemos que aquilo não passa de uma cena, pois tudo parece descambar para uma improvisação ensandecida.
O diretor e roterista Koen Mortier é realmente muito inventivo na direção, trazendo extrema qualidade técnica para o longa, como o uso eficiente da câmera em movimento, longas e ótimas cenas sem cortes, edição excepcional. O grupo de atores desconhecidos encarna a loucura dos personagens como sendo deles. Em alguns momentos até esquecemos que aquilo não passa de uma cena, pois tudo parece descambar para uma improvisação ensandecida.
Mortier nos revela toda a inversão de valores desses indivíduos através de elementos claros, como boa parte do início (ótimo início, aliás) que é feita ao contrário, de trás para frente, assim como a inversão de teto e chão no quarto de Koen, simbolizando a desordem do personagem. Muita sujeira, ligeiras cenas de sexo explícito, muita câmera lenta para enfatizar os momentos mais bizarros e engraçados. Está tudo ali, para ser digerido ou não. Eu ainda estou digerindo.
O roteiro aborda todas as obsessões do autor Brusselmans, como consumo de álcool, drogas, violência e muito Punk Rock (que no filme é de primeira). Toda a sujeira e ignorância realmente incomoda, pois é esse seu objetivo. A sinceridade em relação à realidade daqueles sujeitos é chocante, como quase tudo na vida.
Toda a violência com as mulheres é fortemente abordada pelo o personagem de Koen, talvez o mais deficiente de todos. Em sua casa, como já foi citado, tudo é do avesso, ele literalmente anda pelo teto. Sua compulsão por sexo é assustadora e em seu mundo ele questiona e tenta se justificar, achando uma explicação simples para sua perturbação: "A culpa é delas".
Já a relação de Jan com seus pais é horrível. Seu pai, um veterano de guerra, é mantido amarrado o dia todo na cama em uma camisa de força, e o baixista insiste em lembrá-lo de como ele é um perdedor por estar ali confinado - além de explicar tudo que anda fazendo com seus parceiros sexuais. Já a mãe de Jan é surreal. Careca devido ao bizarro acontecimento na infância do filho, ela se envolve com diversos homens, inclusive o vocalista Koen.
O guitarrista Ivan é um verdadeiro troglodita com sua mulher e filha. A cena em que vemos a menina assistindo a uma discussão do casal perturba e pode causar certa perplexidade em alguns.
Analisando friamente, "Ex Drummer" explora a miséria humana sem ser hipócrita. Em algumas ocasiões parece que rir é proibido, mas o humor está lá, negro, satirizando algo que está distante da maioria, uma classe baixa que se debate e se atraca em meio a imundice, em meio as drogas e o sexo descabido. Só que uma coisa é interessante nesses personagens: todos são muitos sinceros, principalmente Dries, que não esconde em momento algum seu interesse em viver aquilo apenas por beneficio próprio, tratando a todos muitíssimo mal. Ele só não fala abertamente porque ninguém pergunta.
O filme tenta mostrar que, enquanto esses lunáticos estão ali se engalfinhando na lama, a classe alta, representada por Dries, os manipula e usa como bem entende. É de interesse do personagem mantê-los onde estão, pois ali eles são a atração. Se eles não existissem, o que seria da classe média ou alta? É preciso que tudo esteja errado! Tudo deve estar na contra mão. Tudo isso para que no final, não seja preciso escolher um lado. Os últimos 30 minutos da fita são alucinantes, dignos de serem lembrados, e pensando bem, um filme como esse dificilmente será esquecido. Esse é um de seus maiores méritos, tendo o público gostado ou não do que viu.
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