Macunaíma é um herói preguiçoso, sem caráter e safado. Nasceu em meio à mata, já grande, e só começou a falar aos seus seis anos de idade, prova cabal de sua preguiça. Esse personagem, durante o filme, representa o brasileiro. Seus jeitos e trejeitos, suas expressões e seus diálogos cômicos, suas atitudes e confissões. Macunaíma, de negro, se transforma em branco e do sertão migra para a cidade com os irmãos, buscando um compêndio de todas as vivências e aventuras possíveis no país. Macunaíma vive várias aventuras na cidade de forma zombeteira, conhecendo e amando guerrilheiras e prostitutas, enfrentando vilões milionários, policiais, personagens de todos os tipos. Cada personagem na obra e sua relação com o protagonista se identifica a uma metáfora de alguma das estruturas sócias do Brasil. O filme, homônimo da obra textual de Mário de Andrade – Macunaíma -, resgata a obra que, por excelência, representa a construção - ou até mesmo forjação - de uma identidade cultural brasileira.
Em Macunaíma, filme produzido em 1969 por Joaquim Pedro de Andrade, temos a expressão cinematográfica da obra de Mário de Andrade. O filme retrata com ardente fidelidade cenários, mitos, passagens, diálogos, costumes e representações. Todos elementos foram retirados e inspirados da obra textual do poeta modernista brasileiro.
O filme alcançou logo em sua estréia um sucesso indiscutível em todos os âmbitos. Sucesso de público, de crítica e de realização pessoal do cineasta Joaquim Pedro, Macunaíma é fruto de uma nova manifestação que o cinema do Brasil passa a trabalhar: foi um dos primeiros filmes do Cinema Novo (caracterizado pela preocupação temática e pela pesquisa de linguagem) e pilar estrutural de toda uma retórica de obras fílmicas que será produzida na década de 70 no Brasil.
Por trás da “comédia bufa” - como designou Alberto Shatovsky - se escondem, ou brilham de forma intensa, personagens que representam uma crítica a todo o universo social e cultural do Brasil de até então. O protagonista do filme, já nasce grande e só começa a falar aos seis anos de idade, o que representaria na obra tanto de Mário de Andrade como de Joaquim Pedro o universo preguiçoso que ronda e assola o povo brasileiro contra o ideal de trabalho. Junto a esse, outro elementos do Brasil são misturados no filme, como o mau-caratismo, o subdesenvolvimento, o tropicalismo e os preconceitos.
Em Macunaíma, a construção das cenas das imagens e do roteiro do filme permitem afirmar que Joaquim Pedro teve que fazer um amplo estudo da obra literária. Segundo Ely Azevedo, o livro permite que vários roteiros de obras audiovisuais sejam feitos, porém o de Joaquim Pedro é o suficiente para ser eternizado devido à eficácia, objetividade e agilidade com que o filme expressa o teor central da obra. Assim, o processo de criação do Cinema Novo, da mesma forma que o modernismo, estruturou-se em cima da Semana de Arte Moderna de 22.
Joaquim Pedro, ao seguir Mário de Andrade, consegue transmitir em sua obra um Brasil vibrante através da utilização e locação dos cenários, das cores utilizadas em cena, do figurino e da construção da linguagem, ao mesmo tempo em que revela, explora e dialoga com os problemas do país e de sua população. A evidência no filme de um “Brasil muito brasileiro” é o ponto de partida para assimilação e transformação da cultura popular pelo artista, pois toda uma realidade muito típica conseguiu ser retratada de forma satírica, mas real, em cada cena de Macunaíma.
A comédia de Joaquim Pedro já se inicia com o nascimento do protagonista em meio à mata virgem. Essa representação já demonstra o desejo de explorar o inexplorado, de revelar o Brasil que surge da tipicidade de seu povo e de sua própria cultura. Cultura essa que, aliás, dialoga com si mesma ao refletir o típico modo de vida do brasileiro, ou a construção cultural pitoresca do povo.
O caminho percorrido pelo protagonista, na obra textual e em sua representação fílmica, é metaforizado concomitantemente às passagens culturais e sociais de Macunaíma. A alegoria da população brasileira em sua diversidade, que se transforma em unicidade, se dá pelos percalços discorridos durante a obra.
Apesar dos poucos cortes expressivos e de muitos elementos colocados para que o espectador os decifre, sobram cores, movimentos e diálogos construídos em cima de linguagem própria, o que muitas vezes acaba por dificultar seu perfeito entendimento.
Esses mesmo movimentos, agilidade textual e jogo de cores mascaram a falta de dinamismo ocasionado pelo pouco uso de filmagens de variados ângulos. Em toda sua dimensão o filme ganha dinâmica ao mesmo tempo em que se revela a cada cena uma nova representação visual. A curiosidade por novos acontecimentos e os atos cômicos de Macunaíma sustentam, de certa forma, o interesse pelo fim que ocorre sem grandes descobertas ou evoluções. O personagem principal termina o filme retornando à selva depois longa e tumultuada passagem urbana.
Será que esse fim também metaforiza alguma representação de costumes do brasileiro? Talvez a obra escrita por Mário de Andrade e a obra produzida por Joaquim Pedro conjuguem uma curiosidade sinônima. Por mais que se tente mudar a realidade, o que se vê até hoje no Brasil ainda continua como passível regravação do clássico de Joaquim Pedro em seus mesmos moldes, enquanto a obra de Mário de Andrade continua atual e sempre renovada pelas vicissitudes de nosso país.
Título Original: Macunaíma (Brasil, 1969)
Gênero: Comédia
Tempo de Duração: 108 minutos
Estúdio: Grupo Filmes / Condor Filmes / Filmes do Serro
Distribuição: Embrafilme
Direção: Joaquim Pedro de Andrade
Roteiro: Joaquim Pedro de Andrade, baseado em livro de Mário de Andrade
Produção: Joaquim Pedro de Andrade
Música: Jards Macalé, Orestes Barbosa, Silvio Caldas e Heitor Villa-Lobos
Fotografia: Guido Cosulich e Affonso Beato
Desenho de Produção: Anísio Medeiros
Figurino: Anísio Medeiros
Edição: Eduardo Escorel
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