Esmeralda – Jorge Ben (Resenha)
Primeiramente, se você está aqui é porque conhece o disco em questão ou se interessou pelo assunto, mas desde já, recomendo: desça até o final deste post e dê o play para ouvir, enquanto lê, um dos mais icônicos discos da nossa cultura. Você não vai se arrepender.
Bom, antes de mais nada, é estritamente importante contextualizar o momento em que “A Tábua de Esmeralda” do lendário Jorge Ben foi criado e lançado: no apogeu da ditadura militar, a qual perdurou durante mais de 20 anos (1964-1985). Em 1974, quem estava no comando era ninguém menos do que o general Garrastazu Médici (1969-74), ou seja, a censura estava institucionalizada.
É quase inevitável perceber que os anos 70 – para a música brasileira – foi uma das décadas mais frutíferas, afinal, são desta década discos como “Acabou Chorare” (Novos Baianos – 1972), “Krig-ha, bandolo!” (Raul Seixas – 1973), “Secos & Molhados” (Secos & Molhados – 1973), “Tim Maia” (Tim Maia – 1970) e por aí vai.
Partindo desta premissa – de que estamos falando de um momento de repressão total, mas que, mesmo assim, proporcionou o lançamento de alguns dos mais preciosos discos brasileiros – eu abro uma pergunta: a censura destrava a imaginação? Em tese, a palavra repressão parece ser completamente o inverso de criatividade, mas não é bem isso que percebemos se estudarmos este contexto.
Se não houvesse ditadura, talvez não teríamos o prazer de escutar “Ouro de Tolo”, por exemplo. Esta canção mágica de Raul Seixas apresentada em horário nobre da televisão brasileira em 1973 vai totalmente contra a população que estava iludida com o “milagre econômico” proposto pelo governo.
Eu que não me sento
No trono de um apartamento
Com a boca escancarada cheia de dentes
Esperando a morte chegar
- Ouro de Tolo – Raul Seixas
Voltando para A Tábua de Esmeralda, ele não vai contra a ditadura, mas é uma explosão completa de criatividade – tanto que é considerado um dos melhores discos brasileiros já lançados. De acordo com a Rolling Stone Brasil, ele é o sexto colocado entre os “100 maiores discos da música brasileira”. Há quem discorde deste ranking, mas não é esta a questão, e sim a dimensão desse disco que vai desde a sua capa até o último refrão de “Cinco Minutos (5 minutos)” – música que encerra a obra.
“A Tábua de Esmeralda” é o décimo primeiro álbum de estúdio do cantor brasileiro Jorge Ben, ou seja, ele já teve muita estrada até chegar a sua – na minha opinião – obra-prima. Mas não podemos descartar “Samba Esquema Novo” (1963), “África Brasil” (1976) e muitos outros.
Como a maior parte de vocês já deve saber, alguns grandes artistas tiveram seus momentos místicos durante certa parte de sua carreira. Raul Seixas e o famoso ocultista Aleister Crowley, Gilberto Gil e a Sociedade Brasileira de Eubiose, Tim Maia com a tão discutida Cultura Racional e Jorge Ben com a Alquimia de Nicolas Flamel.
Como eu já ressaltei, até a capa de “A Tábua De Esmeralda” é parte crucial desta grande pérola brasileira: ilustrações do túmulo de Nicolas Flamel – alquimista famoso do século XIV – juntamente com Hermes Trismegisto, o primeiro alquimista conhecido, são apresentadas. É digna de ser emoldurada e posta em algum museu.
Mas as referências da Alquimia não param por aí, já na primeira canção temos “Os Alquimistas Estão Chegando”. Quando Jorge fala que os alquimistas estão chegando, quer falar sobre a transmutação dos metais em ouro proposta por eles. Acredita-se que esta transformação é uma metáfora sobre a mudança da consciência do homem, para melhor dizer, da ignorância em sabedoria. Não seria uma relação simbólica com a consciência das pessoas naquele período de ditadura? É, meu povo, esse disco não é brincadeira não, é ouro.
“O homem da gravata florida”, segunda música do disco, faz menção a um homem que realmente existiu: Paracelso. Médico e teórico da época, ele é conhecido como um dos grandes alquimistas. Segundo relatos, era comum este homem visitar seus pacientes com uma echarpe colorida. Jorge Ben, então, imaginou essa echarpe, e criou a canção. A letra é tão descritiva que só uma imaginação fértil e criativa poderia elaborar.
Enfim, o disco é repleto de referências alquimistas produzidas juntamente com uma maravilhosa criatividade que só temos na nossa cultura. É por essas e outras que ainda podemos ter orgulho da nossa arte mas, ao mesmo tempo, ficamos triste em saber que músicas totalmente sem alma estão fazendo sucesso para pessoas que nem sequer sabem quem é Jorge Ben. Mas o Canto dos Clássicos está aqui para isso, dar voz àqueles que marcaram uma geração e ficaram esquecidos com o tempo. Voltem, Alquimistas.
A minha teimosia é uma arma pra te conquistar
Eu vou vencer pelo cansaço
Até você gostar de mim, mulher, mulher
Mulher graciosa, alcança a honra
Você alcançou, mulher
- Minha Teimosia, Uma Arma Pra Te Conquistar – Jorge Ben
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