sexta-feira, 30 de outubro de 2015

A Onda (Die Welle)

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Baseado em uma história real, "A Onda" nos apresenta fatos sólidos de como uma ideologia pode impregnar valores e costumes de pessoas normais

Em 1967, em Palo Alto Califórnia, o professor de história Ron Jones fez um experimento com seus alunos: ele impôs uma ambientação do nazismo em sua classe, tudo seguia os padrões do partido. O projeto durou uma semana e causou diversos problemas. Anos depois, baseado na história de Jones, o autor Todd Strasser (sob o pseudônimo Morton Rhue), produziu o livro de ficção "A Onda", no qual este filme de Dennis Gansel se baseia. Mas o diretor também tomou suas liberdades poéticas com o tema, adaptando os eventos para dias atuais e transportando tudo para a Alemanha, onde a obra de Strasser é leitura obrigatória nas escolas.

No filme somos apresentados a Rainer Wenger (Jürgen Vogel), sujeito de personalidade forte e também ótimo professor. Logo no início, acompanhando os créditos, já podemos perceber toda rebeldia contida no indivíduo, que, enquanto dirige rumo ao trabalho, canta freneticamente a clássica "Rock 'N' Roll High School" dos Ramones. Ele estaria prestes a iniciar um pequeno projeto já tradicional da escola, em que cada professor aborda diferentes formas de governos em suas classes. 


Tendo a duração de apenas uma semana, a "brincadeira" se finaliza na sexta feira, quando vídeos são feitos, palestras e argumentos são expostos, e o tema é discutido, visando assim ampliar a compreensão dos alunos sobre o assunto em questão. Para Wenger, restam apenas os governos autocratas, como o nazismo e o fascismo. Ele então, meio de supetão, começa a já citada experiência visceral, que termina de forma trágica.

É muito interessante analisarmos um fato ocorrido nos EUA sendo adaptado para o cinema na Alemanha. Claramente, devemos relembrar a licença poética do diretor Gansel – também roteirista , que transportou toda personalidade da juventude alemã, a forma de ensino e os costumes de seu povo, de forma brilhante para o tema.

O fascismo, nazismo, ou "A Onda"  como eles se autodenominam  se apresenta de forma envolvente, e isso é mostrado através da visão dos jovens que mais se afeiçoam ao sistema. Apenas os pontos positivos são relevados em um primeiro instante: todos se mostram mais obedientes em casa, respeitosos, melhoram a postura física em sala de aula, o que possibilita uma melhor circulação sanguínea e assim uma melhor pronúncia de sentenças, que devem ser curtas e coesas, proferidas de pé, e por aí vai. No filme, tudo isso ocorre de forma muito natural, não há discussão, o projeto é respeitado pelos alunos, que entram na onda.

E com essa união os excluídos fazem amizades, são protegidos pelos seus iguais contra o inimigo comum (nesse caso, a turma que pegou o tema anarquia, que fica exatamente abaixo da sala deles). Os populares se sentem invencíveis e por aí vai novamente. Aparentemente tudo que os rebeldes querem é disciplina, pois em um mundo tão vazio de significados, fazer parte de alguma coisa, de alguma família,  pode ser perigosamente tentador.


Eles então se tornam reais, criam logo tipo, myspace, websites, adotam uniforme e um cumprimento padrão. Tudo isso a pedido do professor, que inicialmente encara de forma ingênua a transformação dos jovens, sem perceber que aquilo também está afetando seu comportamento. Mas afinal, qual o problema? Os pais dos garotos teceram elogios já nos primeiros dias, a diretoria apoiava a didática. E tudo ocorre muito rápido. Em uma semana A Onda nasce e morre.

Um dos personagens centrais do filme é Marco, interpretado por Max Riemelt. Marco é o soldado alemão perfeito: atleta, não é burro, mas não faz questão de ser mais do que isso. Ele namora a bela Karo, vivida pela jovem atriz Jennifer Ulrich. Karo é uma das mais inteligentes da turma, mas traz problemas pessoais típicos de jovens tentando se encontrar. Ela apresenta um comportamento sutilmente egocêntrico, caraterizado por um ar de irritante superioridade, e com o início da Onda, onde todos se saem bem, ela acaba sendo deslocada do grupo. 

Percebendo que aquilo não é uma coisa normal,  Karo se coloca contra a Onda, e é aí que todos os sentimentos se misturam, principalmente para o público. Todos sabem que este "ismo" é prejudicial, todos sabem que Karo está certa, mas sua personalidade, entendida como superior, unida a ingenuidade dos outros alunos, nos faz escolher lados, despertando então o fascista em todos nós. A relação de Karo e Ulrich é o termômetro para a platéia. É através deles que vemos como as coisas vão se afastando de uma brincadeira para algo sério.

E sendo talvez o mais simbólico personagem do filme, temos Tim Stoltefuss, interpretado por Frederick Lau. Tim é a vitima do "sistema", de todos eles. Garoto reprimido, vê na Onda o significado de sua vida, e começa a enlouquecer com isso 
 coisa que acontece às pencas por aí (entenda-se neonazistas e skinheads). Mas o drama no caso de Tim é tocante. Tudo que ele queria era fazer parte de um grupo, e isso A Onda lhe ofereceu. Nada poderia lhe tirar essa sensação.

Toda a equipe de atores é excelente, desde o time principal até os coadjuvantes. O diretor conseguiu tirar tudo deles, a entrega foi máxima, diria até perturbadora, mas sem credibilidade a obra seria em vão. Gansel acerta em praticamente todas suas escolhas na direção. Fotografia impecável, cenas bem estruturadas, texto profundo e bem argumentado. A edição é contemporânea, carregada de elementos pop, muitas cores. O vermelho que Karo resiste em usar diante do branco adotado por todos é simbólico e bonito de se ver.

No final, "A Onda" apresenta os primeiros passos na construção de algo imperfeito por natureza, pois apesar de toda sua evidente coesão como grupo, apesar de todas as melhorias percebidas (superficialmente) por pais e mestres, existe aquela fresta no sistema, a célula que muda tudo: a intolerância, a impossibilidade de A Onda viver sem o ódio e a segregação. O principal motivo do professor Wenger 
 assim como Jones na vida real  de iniciar este processo perigoso foi devido aos argumentos dos alunos que diziam não conseguir entender como tantos alemães foram coadjuvantes de algo tão terrível. A obra nos mostra que ideologias como essa estão acima de seu povo, e que, no final, todos acabam inocentados diante desta hipinótica corrente mental. Já esquecer é outra história.

Os últimos minutos do longa são com certeza seu ponto forte. O ator Jürgen Vogel se despe de forma inacreditável na cena em questão, proferindo falas inimagináveis. Acompanhando estes diálogos finais, todos os personagens despertam de um torpor, entendendo finalmente a ténue linha entre o que é certo e errado, o que é humano e o que é depravado. Agora, se você assistir tudo isso e não despertar... então está com problemas.



A Onda/ Die Welle: Alemanha/ 2008/ 107 min/ Direção: Dennis Gansel/ Elenco: Jürgen Vogel, Frederick Lau, Max Riemelt, Jennifer Ulrich, Christiane Paul

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