Por Filipe Pereira
Como nos filmes anteriores da Hammer, O Cão dos Baskerville copia as películas de monstros da Universal. Primeiro produto protagonizado pelo detetive de Baker Street no cinema em cores, a fita também referencia o visual da versão da Twenth Century Fox, exibida em 1939, ainda que com um tom muito mais puxado para o barroco. Quanto a história, começa menos chapa-branca e mais fiel ao romance original, com cenas de sequestro, insinuações de estupro e outros temas bastante espinhosos para os pudicos anos 1930 da primeira versão.
As imagens são registradas com uma câmera na mão assim que a ação começa. Na primeira cena, onde Sherlock Holmes (um Peter Cushing muito à vontade) mostra os seus talentos dedutivos, o plano escolhido por Terence Fisher é panorâmico, englobando todo o ambiente da sala, como se o espectador fosse a plateia de um espetáculo de teatro diante de um artista sem igual.
Há na produção um caráter de baixo orçamento típico da Hammer Films, mas que nesse episódio torna-se uma característica até charmosa. A arquitetura e figurinos barrocos contrastam com carruagens de cores gritantes e aspecto paupérrimo, evidenciando a pouca perícia do departamento de arte em deixar tais coisas tão escancaradas em um filme de cor. O breu da noite é largamente usado e facilita a ambientação de filme de horror necessária para o conto semi-sobrenatural, no entanto não há cenas de corpos dilacerados, gore excessivo ou momentos explicitamente escatológicos, o que jamais incomodaria um apreciador das histórias holmesianas, mas certamente incomodariam um espectador acostumado com os filmes da produtora inglesa.
Peter Cushing claramente imita o modo de falar imortalizado por Basil Rathbone, mas de modo algum faz isso de forma depreciativa ou oportunista, pois Sherlock era prolixo e um pouco afetado nos escritos originais, assim como os dois atores faziam. A bela Marla Landi interpreta Cecile, uma Liz Taylor genérica que é reticente em tornar-se o amor proibido do herdeiro Henry Baskerville (Christopher Lee).
A saída de roteiro para a descoberta do vilão se assemelha à versão dos anos 30, com um atributo físico um pouco mais peculiar, uma marca de nascença passada de forma hereditária. Mas o flagrante físico tão evidente não casa com o estilo sutil de escrito original: se a solução para o mistério fosse tão banal, o Sherlock de Doyle solucionaria o caso em um piscar de olhos.
A obrigatoriedade de um romance belo e formidável, presente na maioria dos episódios anteriores a este, é pervertida. Celina tem muito mais de figura malfeitora do que o seu pai, Mister Stapleton, principalmente quando ela tenta recriar a cena do vil homicídio amputado por Hugo Baskerville, usando a sua própria história base da encenação de sua desforra por ter crescido em uma vida miserável mesmo com seu sangue azul “bastardo”. Cecile é como a herdeira da mulher assassinada, simbolizando o fruto direto do estupro, os laços sanguíneos da moça com os Baskerville são o que explica o fato do seu pai a querer longe da mansão e de seus residentes. O Cão era um animal normal, mas maquiado, enquanto a vilã, após ter o ardil descoberto, sucumbe ao pântano, encerrando ali a maldição do clã. O Cão dos Baskervilles traz todo o mistério presente na história de Conan Doyle de uma forma bastante competente, apesar das agruras reveladas. O papel que reprisaria na série Sherlock Holmes de 1964, em 132 episódios, foi executado com maestria por Peter Cushing, sendo até hoje um bom intérprete para o detetive britânico.
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