quinta-feira, 22 de outubro de 2015

CRÍTICA DO FILME: Love & Mercy (2014)

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Não seria bom vivermos juntos, num tipo de mundo onde nós pertencemos?

Quem conhece um pouco da história da banda californiana The Beach Boys, sabe que o compositor Brian Wilson é um dos maiores gênios de nossa história recente. Citando o mais conhecido de seus feitos, temos por exemplo o lendário Pet Sounds, disco que revolucionou a forma de se produzir música e que é considerado por muitos o melhor álbum de rock já feito.

Pois bem, a genialidade de Brian definitivamente transcendia sua arte. O cara não era simplesmente um dos integrantes deste grupo de rapazes joviais, que falavam de tardes ensolaradas e garotas bonitas. Ele era o maestro de uma sinfonia que acontecia por completo em sua cabeça.


Seus delírios que viravam canções eram provavelmente compostos por dezenas, talvez centenas de camadas sobrepostas, ornamentadas por múltiplos instrumentos, efeitos sonoros, coros de vozes, que se entrelaçavam milimetricamente. Melodias talhadas por uma perfeição que, na repetição da prática, se tornava uma experiência exaustiva para outros, e solitária para Brian.



Essa visão além do alcance foi demais para ele. Os abusos de drogas e álcool ajudaram, mas desde cedo o jovem já demonstrava tendências preocupantes relacionadas a sua saúde mental. Durante um longo período ele se perdeu por completo. Se tornou um recluso, um prisioneiro dentro de sua própria casa, dentro de sua mente. Nos melhores dias ele tentava jogar seu carro de precipícios. 


O grande problema no entanto foi que, durante seu período de reabilitação, o salafrário Eugene Landy se tornou seu "terapeuta de tempo integral", tomando assim as rédeas de tutor legal. Na verdade, o que ele fez foi super dosar Brian, o mantendo numa coleira existencial, psicológica e química, por anos. Algo tão absurdo que parece impossível, mas que acontece aos montes (vide a recente triste história do mestre B.B. King).




Pois bem, foi mais ou menos neste período que Brian conheceu Melinda Ledbetter. Ele queria comprar um Cadillac na loja em que ela trabalhava, acabou conhecendo uma nova canção. Foi Melinda que lutou praticamente sozinha para afastar o músico das garras de Landy e trazê-lo de volta à vida. Em 1995 eles se casaram e estão juntos até hoje.


Love & Mercy conta esta história, e faz isso de maneira belíssima. O excelente roteiro de Oren Moverman e Michael A. Lerner, navega com perfeição por entre passado e futuro do cantor, explorando especificamente estes momentos paralelos de transição, em que o maestro perde o controle de seus atos, e posteriormente quando ele se reencontra, tudo graças ao descobrimento de um novo amor.




A direção de Bill Pohlad consegue resumir com perfeição esta complexa história sem deixar nada para trás. Ele se foca principalmente em fundamentar uma narrativa que ofereça toneladas de informações nas entre linhas. Tudo precisa necessariamente ser rápido, mas nem por isso acaba soando como uma falsa construção. É algo complicado, mas o roteiro e direção acabam se superando. 


O universo da beach music, por exemplo, apesar de reproduzido de maneira fugaz e bastante simbólica, é verdadeiramente honesto. Pohlad tem tempo ainda para presentear os fãs com momentos preciosos, como a inspiradora abordagem do nascimento e gravação de famosas canções do compositor, como Wouldn't It Be Nice, Good Vibrations e até mesmo a mítica Fire.




Este é o passado de Brian, psicodélico, desbravador, assustador. O futuro funciona de maneira diferente, o que acaba sendo ainda melhor. Nele, Brian caminha de forma tranquila, sempre dizendo a verdade, sem nem mesmo pensar no peso de sua palavras. 


A liberdade que o roteiro adota para esta versão do personagem possibilita uma profunda e dramática exploração dos traumas de Brian, como o fato do mesmo ter sido espancado constantemente pelo pai. Ele até perdeu 96% de sua audição do ouvido direito, por causa dos tapas que tomava. Tristezas sinceras de um homem anestesiado.

No entanto, o que faz deste filme um sucesso é seu elenco, escalado auspiciosamente. Paul Dano usa toda sua intensidade característica para viver o jovem Brian do passado, e o resultado é assombroso. A seriedade do ator é visceral. Não existem resquícios dele dentro do papel. Paul simplesmente desaparece. Sua dedicação a Brian Wilson é humilde e brutal.




Do outro lado, temos o improvável John Cusak vivendo o já não tão jovem Brian, do futuro. O que mais chama atenção na atuação de Cusak é sua preocupação metódica com o trabalho corporal do personagem. Toda a mistura de confusão e clarividência de Brian Wilson exigiam, necessariamente, que fossem reconhecidas apenas com um olhar, era importante certa pureza, e Cusak acerta nesta questão, acerta como nunca acertou em sua vida. Sua desenvoltura acima da média é uma grata surpresa.

Paul Giamatti surge inescrupuloso e asqueroso (sem exageros) como o super cretino Eugene Landy. E por último, mas não menos importante, temos a excepcional Elizabeth Banks, deixando as comédias um pouco de lado para realizar um sólido trabalho como a deslumbrante vendedora de Cadillacs, Melinda Ledbetter.




Em resumo, Love & Mercy é uma pequena obra prima, umas das melhores adaptações para o cinema de uma história do mundo da música, mais especificamente do Rock 'N' Roll. A direção de Pohlad emana respeito, e as interpretações são inspiradas pela força maior do trabalho lendário de Brian. No final, esta é uma história inacreditável, bela e melancólica. 

É muito triste saber que uma das mentes mais brilhantes de nosso tempo simplesmente não conseguiu encontrar espaço em meio a mediocridade e ganância que dominam tudo e todos. Brian guardou por muito tempo seus demônios, e eles o devoraram por dentro. Filme obrigatório.
















































Love & Mercy: EUA/ 2014/ 121 min/ Direção: Bill Pohlad/ Elenco: Elizabeth Banks, John Cusack, Paul Giamatti, Paul Dano, Joanna Going, Jake Abel, Kenny Wormald, Graham Rogers, Brett Davern, Bill Camp

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