Chronic, de Michel Franco
.:: 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo ::.
Vencedor do prêmio Um Certo Olhar no Festival de Cannes, o mexicano Michel Franco fez de seu “Depois de Lúcia” um dos filmes mais indigestos daquele ano de 2012 ao acompanhar com uma frieza quase doentia a sucessão de humilhações vivida por sua protagonista, Alejandra (Tessa Ia). Não será com “Chronic” que o realizador de 36 anos atenuará as coisas.
Produção entre México e França falada em inglês, “Chronic” traz o britânico Tim Roth em maravilhoso desempenho como David. Sem vínculos profundos com outras pessoas, David passa as horas que permanece acordado cuidando de pacientes em estágio terminal. Sem nenhuma sentimento de pena, David é tanto a melhor companhia para esses indivíduos como também aquele a lidar de modo mais adequado com situações de embaraço, como a hora do banho ou a troca de roupa suja.
Bem como Alejandra, David é alguém afetado por um passado traumático que nunca fica claro. Sabe-se que uma decisão sua foi crucial para livrar um filho de uma existência dolorosa. É também evidente os laços familiares que foram rompidos a partir disso. Porém, ao invés de recorrer a algumas alternativas positivas para se consolar, a exemplo das tentativas de reaproximação com a sua filha Nadia (Sarah Sutherland), David se martiriza ao cuidar de idosos que já descartaram a esperança de recuperação.
 “Chronic” acompanha as interações entre David e cada um dos enfermos com uma câmera distanciada, que sabe o efeito norteador ao não se solidarizar com as figuras frágeis a sua frente. Ao mesmo tempo, é uma escolha que demostra extremo respeito pelos personagens também desenhados por Michel Franco em um material laureado com o prêmio de Melhor Roteiro em Cannes neste ano.
O que segue incomodando é a passividade forçada como justificativa para a obscuridade que integra David. Felizmente, não estamos aqui diante da mesma perversidade traumatizante experimentada com “Depois de Lúcia”, mas nenhuma leitura sobre David pode existir neste contexto quando este se recusa a assumir qualquer postura diante de uma acusação de abuso sexual anterior a uma transição de atos. E há também a conclusão, que quase põe a perder o empenho de um elenco exemplar que contorna sem defesas o sofrimento de uma morte não somente física, como também emocional.