Sem dúvidas a década de 1960 foi um marco para a história do cinema mundial. O contexto da Guerra Fria, as novas conquistas e frustrações humanas, as revoluções culturais e políticas, enfim, vários acontecimentos que fervilhavam o cenário global e, consequentemente, as mentes mais inquietas, passaram a ser retratados direta ou indiretamente nas telas do cinema.
Foi nesse período que diretores renomado projetaram suas cinematografias, que anos depois se tornaram parte do Olimpo da sétima arte. Nomes como Stanley Kubrick, Woody Allen, Robert Altman, Francis Ford Coppola, Brian de Palma, Martin Scorsese, Milos Forman, entre outros, compunham o time de cineastas ativos nos anos 1960 que produziam filmes mais realistas e que abordavam temas como política, violência, sexo, drogas, etc.
Em meio a esse hall de grandes artistas está o francês filho de pais poloneses Roman Polanski. Na década de 60, após mudar-se para os EUA, Polanski obteve uma grande consagração pelos seus filmes, como por exemplo, Chinatown, de 1974. Entretanto, sua estreia em solo estadunidense abriu as portas da notoriedade com o filme O bebê de Rosemary, de 1968.
Adaptação do best seller de Ira Levin, O Bebê de Rosemary tornou-se um clássico do cinema e é considerado por muitos como um dos filmes mais assustadores de todos os tempos. Com os produtores Robert Evans e William Castle, o elenco do filme também é de peso: Mia Farrow como Rosemary Woodhouse, John Cassavetes como seu marido Guy, Sidney Blackmer como o vizinho Roman e Ruth Gordon como a simpática vizinha Minnie (atuação impecável que rendeu à Ruth o Oscar de melhor atriz coadjuvante).
A jovem e ingênua Rosemary e seu marido Guy, um ator em busca de emprego, se mudam para Nova York ocupando um dos apartamentos de um concorrido edifício (o nome real do edifício onde o filme foi gravado é Dakota).
O gerente do local, Sr. Nicklas (Elisha Cook) conta ao casal que sua nova residência foi anteriormente ocupada por uma senhora que apresentava problemas psíquicos ocasionados pela idade avançada. Um amigo do casal, Hutch (Maurice Evans) tenta convencê-los a não alugar o apartamento, contando um pouco das estranhas histórias que rondam o lugar. Entretanto, Rosemary e Guy são ainda mais atraídos pelo imóvel e fecham o negócio.
No decorrer do filme o espectador acompanha o processo de adaptação dos novos moradores do apartamento e seus ideais de prosperidade e vida nova, bem como o desejo de engravidarem e terem ali seu primeiro filho. Rosemary conhece uma jovem chamada Terry (Angela Dorian), que está em processo de recuperação para o seu vício em drogas. Essa jovem conta que vive no mesmo prédio no apartamento ao lado, com um casal de idosos que a adotaram e cuidam dela.  Durante a conversa, Rosemary se encanta com um colar de pingente no pescoço de Terry, mas percebe um cheiro um tanto que desagradável vindo dele.
Certa noite, Guy e Rosemary estão voltando para casa e percebem que na rua em frente ao prédio estão reunidas várias pessoas em torno de um corpo. Era Terry, que se jogou do apartamento em que morava em direção à morte. Preocupados, eles aguardam até que o casal de idosos que morava com a jovem apareça, e é nessa noite que eles conhecem Roman e Minnie Castevets, com quem rapidamente começam uma amizade.
Entre flertes e convites para jantar, Guy, Rosemary e os Castevets vão se tornando cada vez mais íntimos. Minnie presenteia Rosemary com o estranho pingente usado por Terry. Roman conversa em particular com Guy a respeito de suas pretensões como ator.
Até então, nada de surpreendente ou aterrorizante. Porém, no decorrer da trama, Guy recebe um telefonema dizendo que conseguiu o almejado papel em uma peça, pois o ator que havia sido escalado em seu lugar misteriosamente havia amanhecido cego. A partir daí, o casal Woodhouse decide engravidar. Nessa noite, a senhora Minnie presenteia Rosemary com copos individuais de mousse de chocolate.
Após alguns bocados ela se sente mal e vai dormir, porém tem alucinações terríveis que misturam fantasia e realidade. Rosemary tem recordações da infância, vê freiras, barcos, marinheiros, figuras psicodélicas. No ápice de sua experiência alucinógena, a jovem Woodhouse se vê em um ambiente escuro cercada de pessoas estranhas falando idiomas desconhecidos, como se fosse uma oração ou invocação de alguma coisa. Em meio a essas pessoas, vê o casal Castevet vestido de preto e seu marido Guy nu vindo em sua direção. Eles começam uma relação sexual, porém logo o homem com quem está fazendo sexo se transforma em uma criatura bizarra com aspectos demoníacos. Rosemary tenta acordar, dizendo que aquilo não é um sonho, mas a realidade. Quando atinge o ápice do prazer ela vê o papa que se dirige para “perdoá-la” do pecado que está cometendo, oferecendo o anel para beijar. O anel, no entanto, é o misterioso pingente que ganhou de Minnie.
No dia seguinte, Rosemary acorda exausta e se vê nua na cama com arranhões por todo o corpo. Questiona seu marido a respeito da noite passada e ele responde que tinha bebido um pouco e não pode evitar fazer amor com a esposa. Naquela noite alucinante, Rosemary havia engravidado.
A partir daí, o filme se desenrola em diversas coincidências e incidentes macabros. Ainda que esse texto se trate de uma resenha, seria indelicado de minha parte revelar o resto do enredo – o gênero de terror e suspense deve ser assistido por você, leitor. No entanto, a trama apresenta a gravidez de Rosemary de forma não convencional, pois ao invés de engordar ela vai emagrecendo e adquirindo um aspecto funéreo. A gestante sente muitas dores, decide procurar um médico de confiança – o doutor Hill (Charles Grodin) – mas é desencorajada pelos Castevets, que exultam de alegria ao descobrirem que a vizinha está esperando um filho e recomendam seu amigo médico doutor Abraham Sapirstein (Ralph Bellamy), cujo tratamento recorre a medicina alternativa como chás e misturas naturais para beber.
A seguir há uma série de ocorrências misteriosas, como a morte do amigo Hutch, que em todo o filme suspeita dos novos amigos de Rosemary e quer avisá-la de alguma coisa terrível que está se passando. Antes de morrer, Hutch providencia que Rosemary receba em seu próprio funeral um livro sobre bruxaria. Esse livro contém um anagrama que vai decifrar toda a gama de mistério sobre a relação de Roman, Minnie e todas as pessoas de seu convívio com o satanismo.
A conclusão é que o filho que está sendo gerado no ventre de Rosemary na verdade não é de seu marido Guy, mas do próprio diabo. A jovem Woodhouse foi um objeto de barganha para que a semente do mal pudesse ser plantada e cultivada até o seu parto. O bebê é um menino de nome Adrian, uma espécie de Anticristo aguardado por essa maléfica seita de bruxos.
A temática de “O Bebê de Rosemary” é, por si só, muito pesada. As questões e implicações éticas envolvidas levam a uma reflexão sobre a sacralidade da gravidez, a benção da maternidade e as relações pessoais e familiares num antagonismo à geração do mal, ao satanismo, a rituais pagãos e ao grande dilema da trama: ter o filho ou sacrificá-lo?

Além das muitas indagações e polêmicas internas do filme, vale também lembrar os amantes de teorias da conspiração que essa obra de Polanski também teve coincidências macabras na vida real.
Após o lançamento do filme o produtor William Castle começou a receber ameaças de morte, por causa do “sacrilégio” que o longa metragem propõe. Castle esteve internado com falência renal um ano depois (1969) e testemunhas dizem ter ouvido ele gritar em seu leito: “Rosemary, pelo amor de Deus, solte esta faca!”, provavelmente tendo alucinações que se referem à cena final do filme. No mesmo dia, e no mesmo hospital, estava Krysztof Komeda, compositor da trilha sonora do filme que morreu devido um coágulo cerebral, a mesma autópsia do personagem Hutch do filme.
Também em 1969, a atriz Sharon Tate, esposa do diretor Roman Polanski, que coincidentemente estava grávida, foi brutalmente assassinada junto com quatro amigos em sua casa. Os autores do crime eram membros de uma seita chefiada pelo serial killer Charles Manson, que ainda hoje cumpre sua prisão perpétua nos EUA e é mundialmente conhecido.
Para terminar, vale lembrar que o edifício Dakota onde fica o apartamento em que o filme foi gravado também ganhou atenção da mídia internacional vários anos depois, pois foi justamente em sua frente que o cantor John Lennon foi assassinado por um fã lunático que achava ser o próprio ídolo.
“O Bebê de Rosemary” vai além de um filme cercado de mistérios e coincidências sinistras. É uma obra indispensável para os admiradores do gênero terror e também para aqueles que cultuam o cinema clássico.
8.1MUITO BOM
Uma obra prima do terror. Não é um filme de sustos, trata-se de um filme de medo, daqueles que voltam à noite após assistir. O antagonismo entre bem e mal nunca antes havia sido representado no cinema utilizando a tenra doçura da gravidez como seu palco.