Filme dirigido por Victor Erice, O espírito da Colmeia (El Espiritu de la Colmena) se passa em meados da década de 1940 em um povoado no interior da Espanha. Apesar de não ser um filme político de forma explícita, o longa faz referência às condições em que se encontrava a Espanha após a Guerra Civil que ocorreu entre 1936 e 1939, e a consolidação do governo do ditador Francismo Franco, que durou mais de 40 anos.
É nesse cenário desolador que vivem as pequenas irmãs Ana (Ana Torrent) e Isabel (Isabel Telleria). Após assistir ao clássico filme Frankestein (1931), de James Whale, a pequena Ana se depara com temas que aguçam sua curiosidade: afinal, o que é real? O que é a morte? O que existe para além do que pode ser visto?
Ana fica curiosa com o fato de Frankenstein ter matado a garotinha do filme e de ter sido morto em seguida, e indaga sua irmã mais velha sobre isso. Isabel diz a Ana que tudo nos filmes são truques, que Frankenstein existe, que se poderia falar com ele, e incentiva Ana a procurá-lo. Ana passa então a acreditar que pode encontrar Frankeinstein em forma de espírito e Isabel vê nisso uma possibilidade de brincar com a inocência da irmã. Na busca pelo monstro, Ana vivencia tudo de forma muito singela e encara cada pequena descoberta como uma grande lição, e é nesta busca pelo pelo personagem do filme de Whale que a trama de O Espírito da Colmeia se desenrola.
A narrativa poética de Victor Erice é transmitida através do olhar melancólico de Ana. É do ponto de vista dessa garotinha na busca por desvendar o desconhecido que a história é construída. Este é um filme onírico, atmosférico, minimalista e alegórico, composto por belas imagens em tom de mel, acerca das formas como observamos e reagimos ao mundo, acerca da infância, da solidão, do medo. A colmeia é a casa de Ana e também toda a Espanha, com sua disciplina e hierarquia, com muito a se enfrentar e a se descobrir.
As meninas vivem com o pai, Fernando (Fernando Fernán Gómez), um apicultor e escritor, e com a mãe, Teresa (Teresa Gimpera), uma mulher que ainda sofre por um amor perdido para a guerra. A casa da família é grande e mal conservada, tudo remete à distância e solidão. A família nunca aparece junta, mesmo nas cenas das refeições em que todos estão à mesa, cada um é focado individualmente, não há planos gerais, tudo para reforçar a distância emocional entre eles.
No filme de Erice tudo é misterioso, já que é filtrado por um olhar infantil. A narrativa possui um tom sobrenatural, e realidade e fantasia se misturam, pois tudo é retratado da forma como Ana percebe as coisas, como na cena em que Ana encontra um soldado escondido na fazenda, um soldado republicano que está fugindo dos franquistas. Ana lhe leva alimento. Mas não sabemos exatamente que tipo de relação se estabelece entre eles.
O Espírito da Colmeia não traz em seu roteiro grandes acontecimentos, o ritmo é lento e não há muitos diálogos. O ponto forte da obra é sua base poética, seu simbolismo, a fotografia primorosa de Luis Cuadrado, e os melancólicos olhos negros de Ana Torrent, que representam maravilhosamente a curiosidade, o medo e a solidão da infância vivida naquele contexto.
As condições de vida no interior da Espanha daquela época é muito bem representada, assim com a vida vazia que os pais de Ana possuem. Há muitas alegorias no filme, como os vidros da janela da casa da família, que são emoldurados como os alvéolos de uma colmeia; e também o boneco Don josé, usado pela professora de Ana para ensinar anatomia para as crianças. Don José é montado órgão por órgão, assim como Frankeistein foi montado “pedaço por pedaço”. E quem termina de montar o boneco lhe colocando os olhos é, claro, Ana.
O Espírito da Colmeia é uma jornada de descobrimento e aceitação do mistério. Ana enfrentou seus medos e descobriu o quão fascinante o mundo pode ser. Ana enfrentou Frankenstein. A Espanha enfrentava o Franquismo. Ambas saíram receosas, mas cheias de esperança.
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