Membro da família de velejadores Schurmann, David Schurmann já havia se prontificado a levar para os cinemas detalhes de suas expedições com o documentário “O Mundo em Duas Voltas”. Em “Pequeno Segredo”, Schurmann agora resgata as memórias de seus pais e Kat, sua irmã adotiva, com um registro ficcional não de suas aventuras pelo mundo, mas de um drama particular narrado por sua mãe Heloisa no livro “Pequeno Segredo – As Lições de Kat para Família Schurmann”.
Mesmo o mais desinformado do espectador sabe que o centro da trama é a enfermidade carregada por Kat (Mariana Goulart), pré-adolescente que acredita ingerir vitaminas para controlar uma hepatite. Adotada por Heloisa (Julia Lemmertz) e Vilfredo (Marcello Antony), Kat tem os detalhes de sua concepção recriados aos poucos em “Pequeno Segredo”.
Graduado em cinema e televisão na Nova Zelândia, David Schurmann sugere ter grande afeto por filmes corais, aqueles em que alguns personagens desconhecidos entre si se conectam em uma narrativa não linear. É um desafio gerenciar indivíduos de personalidades distintas em linhas temporais diversas e, mesmo que Schurmann tenha a facilidade de lidar com apenas dois núcleos familiares, há uma regra sagrada não respeitada em “Pequeno Segredo”: o fator surpresa.
Fracassando ao pretender que o “pequeno segredo” nos seja revelado na mesma altura em que Kat descobre o que condenará a sua existência (uma pista jogada no primeiro ato trata de destruir qualquer apreensão que esse mistério provocaria), a condução de Schurmann se sabota na tentativa de respeitar as regras mais básicas da cartilha do melodrama. É um filme que não tem vergonha de admitir que foi feito para emocionar, mas que não sabe até onde apelar para fazê-lo.
Além da estrutura, dessas que ainda lidam com dados do passado já descortinados pelo presente, outro problema grave no filme vem a ser a construção de personagens. O senso de desprendimento dos Schurmann foi substituído por um novo estilo de vida em que Kat é uma prioridade 24 horas por dia. Já os pais biológicos da garota (interpretados por Maria Flor e Erroll Shand) contam com preocupações como o bem-estar próprio e alheio, assim como os dilemas de abandonar ou se manter em seus locais de origem. Tudo para serem descartados quando os Schurmann assumem um protagonismo mais evidente.
Lamentavelmente, o trabalho mais ingrato recai justamente nos ombros da irlandesa Fionnula Flanagan, excelente veterana mais conhecida por filmes como “Mães em Luta” e “Os Outros”, bem como por sua participação especial no seriado “Lost”. No papel da avó biológica de Kat, a atriz precisa se virar com falas desprezíveis e ainda é submetida a uma redenção a partir de um monólogo sobre o que é amar que jamais compramos.
É preciso coragem para tornar pública uma história dolorosa e privada e David Schurmann busca compartilhar a de sua irmã com carinho e ênfase em valores que deseja que o público carregue consigo após a sessão. No entanto, é preciso um amadurecimento que nenhuma credencial para tentar uma vaga no Oscar é capaz de substituir. Talvez fosse melhor ter repassado a história de Kat para outro diretor que não se preocupasse tanto em higienizar a tela e enfeitá-la com borboletas.
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