Mon roi, de Maïwenn
Muitos cineastas costumam partir do princípio de que os seus filmes realmente começam a existir quando estão na ilha de edição, dando forma a um sem número de horas gravadas e por vezes sequer contando com um roteiro como bússola. Com uma carreira mais expressiva como intérprete do que como diretora, Maïwenn provavelmente partiu desse fundamento ao se imaginar concebendo “Meu Rei”.
Caso tivesse decidido com o montador Simon Jacquet conferir uma estrutura linear a “Meu Rei”, é certo que Maïwenn teria em mãos algo com a sua força amortecida, ainda que o texto que assina com Etienne Comar seja naturalmente impactante em sua observação crível sobre as crises matrimonias de casais maduros e modernos – a francesa teria se inspirado em seu relacionamento com Jean-Yves Le Fur. Mas do jeito que se apresenta, “Meu Rei” é ainda mais incisivo em seu olhar, com uma escolha autodestrutiva do presente ganhando maior ressonância por depender dos fragmentos do passado para se justificar.
Vencedora do prêmio de Melhor Atriz no Festival de Cannes em 2015, Emmanuelle Bercot está mesmo arrebatadora como Marie-Antoinette, que passa a ficar em um centro de reabilitação para se recuperar de um joelho fraturado enquanto esquiava. Existe a possibilidade de ela mesma ter provocado o acidente e a constatação surge com flashbacks que desenharão o seu convívio de altos e baixos com Georgio (Vincent Cassel).
Entregues a uma paixão avassaladora, Marie-Antoinette e Georgio sustentam uma atração quase juvenil, com muita intensidade e sem considerar a princípio tudo o que os diferenciam. Quem sofre essa consequência é Marie, especialmente quando um amor mal resolvido do passado presente de Georgio, a instável Agnès (Chrystèle Saint Louis Augustin), surge para prestar contas. Um clima tempestuoso se impõe sobre o casal, carregando todos os reveses da realidade adulta inclusive quando Marie engravida.
Sem artificialismos e amparado principalmente pelo empenho do excelente elenco, que inclusive trás um surpreendente e nada afetado Louis Garrel como o irmão de Marie, Maïwenn capta o romance dos protagonistas com toda aquela descrição de quem observa com muita perícia o que às vezes soaria como banal. Daí ser definidora a escolha por uma estrutura fragmentada, preenchendo os espaços apenas com as “memórias” daquilo que dignificam a construção e ruína de um casamento.
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