ASSUNTO
Relações familiares, sociais, afetivas, discriminação, intolerância, guerra, aprendizagem.
SINOPSE
Durante um período de ocupação nazista na França, os jovens irmãos judeus Maurice (Batyste Fleurial) e Joseph (Dorian Le Clech) embarcam em uma aventura para escapar dos nazistas. Em meio a invasão e a perseguição, eles se monstram espertos, corajosos e inteligentes em sua escapada, tudo com o objetivo de reunir a família mais uma vez.
TRAILER
O OLHAR DA PSICOLOGIA
Numa época na qual os valores se perdem, quando as crianças não são convidadas a enfrentar seus próprios desafios, sendo protegidas em demasia, o filme se torna necessário. Sim, necessário para reflexão de pais educadores e filhos contemporâneos, tão íntimos dos avanços tecnológicos e ao mesmo tempo, tão distantes das necessidades reais. A trama acompanha a saga de dois irmãos diante dos horrores do Holocausto e da segunda Guerra mundial. Eles pertencem a uma família feliz, unida, amorosa e judia. Maurice e Joseph descobrem da pior forma possível como a intolerância pode se tornar uma epidemia. Seus colegas de escola, “contaminados” pelo pensamento nazista anti-semita, passam a hostilizá-los da noite para o dia, apenas por ostentarem a identificação judaica. Eles deixam de ser reconhecidos como pessoas, passam a ostentar um rótulo, que os classifica como algo a ser eliminado. Na mesma velocidade da ocupação nazista, a trajetória de vida deles é radicalmente transformada, o mundo exige novas estratégias. A estrutura familiar fica evidenciada na emergência da situação, quando o pai impõe o limite necessário, mesmo que seja preciso separar, agredir, desconstruir ensinamentos, até mesmo sobre a própria identidade. Eles precisam aprender a mentir para sobreviver. Os meninos aprendem com a experiência, sem o suporte físico dos pais, mas apoiados na estrutura fornecida por aquela família amorosa. É um filme lindo, emocionante, delicado. A urgência, de cada dura experiência, prepara-os para o momento seguinte, tornando-os mais fortes. Não é nada fácil, o que fica evidente na fragilidade das crianças, que podem chorar, chamar pela mãe, quase desistir, entretanto, contam com a sorte em momentos de desesperança. A intolerância e violência retratadas na trama são contrastadas com a reação humanitária de Joseph, diante da reação vingativa dos franceses no fim da guerra. Ele mente, ele surpreende, ele aprendeu com a própria dor a não desejar o mesmo para o outro. Ele aprendeu que a diferença não é justificativa para a violência e que todos são iguais, independente da raça, cor ou crença. Ele nos alerta sobre a necessidade de respeitarmos as diferenças, aceitando múltiplas singularidades do ser. As crianças experimentam situações dolorosas, que os ensinam sobre si mesmos, descortinando o próprio potencial.
Trata-se de um registro histórico, que ultrapassa universo familiar, pois retrata as angústias de diversas famílias em situações semelhantes. O filme se revela atemporal, quando mostra o sofrimento desmedido ocasionado pela propagação de um pensamento equivocado, intolerante, preconceituoso. A diferença era e continua sendo vista como algo a ser combatido, rechaçado, excluído. A história pouco ensinou aos seres humanos, pois conforme registrado no filme em relação aos judeus, nós continuamos a buscar em qualquer diferença motivos suficientes para propagação da intolerância e discriminação. Os alvos podem ser por diferença de cor, de pensamento, de gênero, de crença, de classe social e até de saúde mental. A mesma diferença que pode ensinar, ampliando nossa visão de mundo, continua a ser discriminada, “rotulada”, hostilizada. Por outro lado, acompanhar o processo de sofrimento e aprendizagem das crianças nos remete aos valores das gerações contemporâneas, que estão perdendo, não só valores, mas também o contato com as próprias sensações e necessidades. Diante de tanta proteção, seja dos familiares ou das facilidades tecnológicas, como elas poderão aprender sobre si mesmas, sobre a própria capacidade de lidar com os desafios da vida? Aliás, quais têm sido os desafios propostos? Como é que a criança poderá aprender a lidar com os obstáculos da vida e descobrir sobre sua capacidade, se os pais continuarem a proteger, favorecer, solucionar? Como aprender que são capazes de se frustrar, de perder, de errar, e, ainda assim, buscar novas conquistas? Quantos hábitos desnecessários estão se transformando em ‘pseudo necessidades’? Como os pais e educadores podem orientar, estimular e até proteger sem que a criança se torne insegura, dependente, doente? É preciso que a proteção seja suporte suficiente para que as crianças façam as próprias conquistas, para que descubram seus limites e potencialidades. É preciso que o “ser” seja mais importante do que o ter, e que aprendam que para ter, precisam buscar, os valores estão diretamente ligados ao processo da conquista. Quanto mais fácil for ganhar, menor será seu valor. Não é preciso tantos desafios como os enfrentados pelos protagonistas da trama, mas é necessário que tal extremo nos ensine algo. Precisamos refletir sobre as diferenças, aceitando-as como possibilidades, orientando nossas crianças para o aprendizado e respeito, sem perder de vista o estímulo a sua autonomia e singularidade.
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