segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Resenha: Tomboy - A identidade de gênero no Cinema


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ASSUNTO
Relações afetivas, familiares e sociais, identidade de gênero, fenomenologia.
SINOPSE
“Tomboy” é a denominação dada para meninas que gostam de agir como meninos. Laure (Zoé Héran) é uma garota de 10 anos, que vive com os pais e a irmã caçula, Jeanne (Malonn Lévana). A família se mudou há pouco tempo e, com isso, não conhece os vizinhos. Um dia Laure resolve ir na rua e conhece Lisa (Jeanne Disson), que a confunde com um menino. Laure, que usa cabelo curto e gosta de vestir roupas masculinas, aceita a confusão e lhe diz que seu nome é Mickaël. A partir de então ela leva uma vida dupla, já que seus pais não sabem de sua falsa identidade. Não demora até que Lisa caia em amores por “Mikael”, mas as férias estão para acabar e Laure não sabe como fará para manter seu segredo.
TRAILER
O OLHAR DA PSICOLOGIA

Não são as respostas, mas as perguntas que movem o mundo, diz uma vinheta da TV Futura. Tomboy segue tal premissa, não há julgamento, definição ou qualquer resposta. O filme é provocador, sensível e ao mesmo tempo natural. A pureza das crianças desafiam nossas mais sérias teorias. A construção da identidade de gênero é o foco da trama, entretanto, de que gênero nós falamos? Algumas críticas ousaram explicitar seu tema como homossexualidade, será? Tenho minhas reservas quanto a qualquer definição, isto me soa como interpretar olhares, silêncios, angústias latentes. O que afinal define sexualidade ou identidade de gênero? É preciso esclarecer. Identidade de gênero se refere ao gênero em que a pessoa se identifica, masculino ou feminino. A identidade sexual difere da identidade de gênero no sentido em que a identidade de gênero está mais correlacionada com a maneira de se vestir e de se apresentar na sociedade, enquanto a identidade sexual correlaciona-se mais diretamente com o papel de gênero sexual. Algumas vezes considera-se que um transexual do biotipo masculino, cuja orientação sexual é somente por homens e que se relacione sexualmente apenas no papel feminino, possa ser considerado heterossexual. Nos casos mais comuns, homens e mulheres identificam-se no biotipo sexual natural, sem manifestar desejos pela transgenereidade. Algumas pessoas sentem que sua identidade de gênero não corresponde com seu sexo biológico, sendo identificadas por pessoas transexuais ou pessoas intersexo em algumas situações. Como a sociedade insiste que os indivíduos devem seguir a maneira de expressão social (papel social de gênero) baseada no sexo estas pessoas sofrem uma pressão social adicional. No filme, não existe possibilidade de falarmos em orientação do desejo sexual, pois não há corpos adultos para definir tal orientação.

A trama nos apresenta crianças que estão em processo de construção de suas identidades, nada está definido. Diálogos verbais e não verbais preenchem a película, convidando o expectador a viver a experiência com as crianças. Não creio ser a homossexualidade o tema do filme. Mesmo porque, diversos autores deixam claro que tal definição só pode ser realizada após a adolescência, quando o corpo adquire maturação suficiente para experimentar e decidir, de acordo com a orientação do desejo. Há autores que apontam que qualquer experiência sexual até a adolescência, mesmo que ocorra com o mesmo sexo, não define a homossexualidade. Pode ocorrer apenas como forma ajudar a escolha sexual. Há estudos que comprovam que a transexualidade é sentir-se inadequado ao corpo em que vive. Ainda que o filme possa sugerir tal caminho, prefiro me unir ao comportamento de sua irmã caçula e deixar acontecer. Se este lugar de menino faz Laure feliz, por que não? A mãe não se importa com a forma de dela ser, mas precisa esclarecer seu lugar no mundo, sem fantasias. A mãe não quer dar lição de moral na filha, apenas oferece a oportunidade dela enfrentar o mundo sem fugir da realidade. É visível o desconforto da menina dentro daquele vestido. Diante da impossibilidade de permanecer na mentira, ela deixa de ser Mikael, mas não abandona sua forma de vestir ao se apresentar como Laure. É com seu jeito moleque de ser que encara a realidade, retomando o contato com a menina que tanto a tinha encantado. É um filme delicado e provocante. Mostrando-se natural e sensível, a trama nos convida a participar de cada cena, tornamo-nos parte do fenômeno. Não há como julgar, somos convidados a vivenciar junto aos personagens as suas experiências. O encontro de nosso mundo pessoal com a proposta da trama irá direcionar nossas reflexões. Será mesmo necessário definir, rotular ou nomear algo? Acredito que o segredo do filme é exatamente o contrário, não há definição ou teoria que possa dar conta de tamanha experiência. Se for possível suspender nossos conceitos e concepções de mundo, a trama poderá nos envolver e nós poderemos absorver algo novo ao nosso repertório de vida. Como disse Gonzaguinha “Eu fico com a pureza das respostas das criançasÉ a vida, é bonita e é bonita. Viver e não tenha a vergonha de ser feliz”. Imperdível, recomendo.
Será que nascemos com a definição sexual definida ou escolhemos no decorrer da vida? A jovem cineasta francesa Céline Sciamma, abre essa discussão com o corajoso e delicado filme Tomboy. 
Em tempos em que a homofobia é tema de debates em diversas esferas, o filme Tomboy ganha importância ao mostrar como nascem o preconceito e a intolerância. E o faz sem a necessidade de levantar bandeiras ou aplicar um discurso panfletário.
Na proposta da diretora, Jeanne é o olhar puro e livre de preconceitos das crianças, antes de ser contaminado por quaisquer padrões ou regras de comportamento ditas normais. Para ela, o que importa é a pessoa com quem ela vive e brinca, e não a maneira como esta escolhe viver. 
Adaptar e ser. E o abismo entre os dois verbos. Tomboy em sua superfície pode ser um conto sobre a estranheza de ir contra sua natureza, porém, a diretora Céline Sciamma profetiza os demônios da vida adulta para Laure (a incrível estreante Zoé Héran) presa a inocência da infância e que se opõe a submissão dos padrões. Para ela, a existência está na pele Mikael, um menino que acabara de se mudar e que arrumou novos amigos.
São pequenas tensões, que atravessam toda a narrativa, nos levando a refletir sobre a  complexidade do processo de construção da identidade, que vai muito além da sexualidade e está ancorada na percepção de si mesmo e dos outros, entre outras coisas. Interessante notar que o drama gira em torno das crianças, com os adultos representando papéis quase secundários, ainda que no final sejam eles que engendrem uma “solução” para o problema.

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Tomboy é uma palavra inglesa usada para designar uma menina que tem comportamento masculinizado. E é assim que se apresenta a protagonista do drama com esse título, escrito e dirigido por Céline Sciamma, que discute a construção da identidade a partir dessa troca de papéis.


Tempo de descobertas


A pré-adolescente Laure (Zoé Héran) se muda com sua família para um condomínio na periferia de Paris. Ainda pouco ambientada, a menina precisa fazer novos amigos, e a primeira criança que conhece é Lisa (Jeanne Disson), uma menina de sua idade que lhe pergunta seu nome. Laure responde sem hesitar: Michaël. A surpreendente resposta faz com que a partir desse momento Laure passe a se mostrar e ser vista como menino.

Inicialmente tímida, Laure vai pouco a pouco estabelecendo relações com a meninada da vizinhança. Magra e com cabelos curtos, se insere no grupo de crianças sem despertar suspeitas, até ter seu segredo casualmente descoberto por sua irmã menor Jaqueline (a encantadoraMalonn Lévana), de apenas 5 anos, prenunciando os conflitos que irão acontecer.


Despertar é difícil



roteiro de Sciamma é simples, direto e despretensioso. Não tenta teorizar a respeito da questão e ainda tem a virtude de colocar o espectador sempre numa posição privilegiada; ora fora da trama, como um observador, ora na pele da própria menina, podendo assim descobrir juntamente com ela o que é ser menino. E detalhes como tirar ou não a camisa num jogo de futebol, que os moleques fazem instintivamente, se torna uma coisa complicada para Laure. O que dizer então de tomar banho numa lagoa ou despertar interesse romântico no “sexo oposto”? Como frequentar a escola?

São pequenas tensões, que atravessam toda a narrativa, nos levando a refletir sobre a  complexidade do processo de construção da identidade, que vai muito além da sexualidade e está ancorada na percepção de si mesmo e dos outros, entre outras coisas. Interessante notar que o drama gira em torno das crianças, com os adultos representando papéis quase secundários, ainda que no final sejam eles que engendrem uma “solução” para o problema.

O elenco infantil formado por crianças de cinco a doze, treze anos dá conta do recado de maneira exemplar em sua espontaneidade. E é o “ator” mais jovem de todos, o irmãozinho recém-nascido de Laure, que traz uma pista para se começar a entender o drama, quando sua mãe diz: “Despertar, às vezes, é difícil.”

Por: Gilson Carvalho
Nota: 8

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