quarta-feira, 9 de agosto de 2017

1968, O Ano Que Não Terminou


Zuenir Ventura

o-ano-que-nao-terminou-6A Marcha da Família com Deus pela Liberdade na qual a população brasileira resistiu à implantação do regime comunista no Brasil amparou a chegada dos militares no poder, em 1964.
Em contraponto, o Comício pelas Diretas Já, ocorrido em 16 de abril de 1984, que reuniu, em São Paulo, mais de um milhão de pessoas lutou por uma reforma constitucional que permitisse aos brasileiros escolherem, pelo voto direto, os seus representantes.
Antes do comício muitos movimentos sacudiram a vida social e política no Brasil, contudo, um ato estudantil conhecido como Passeata dos 100 Mil, no dia 26 de junho de 1968, figurou como uma das mais importantes manifestações de protesto à ditadura vigente no momento.
Os movimentos sociais e políticos ocorridos em 1968, que titula o livro de Zuenir Ventura, confunde a busca por valores.
Até os mais dedicados grupos, que se diziam engajados nas ações, tinham dificuldade de rotular suas tendências e objetivos.

A política e o comportamento social

Enquanto parte da geração queria trazer a política para o comportamento social outros grupos queriam induzir o comportamento social na política. Os movimentos culturais, sociais, éticos e morais se confundiam com as agitações políticas, dificultando, assim, o entendimento para a busca de uma unidade que pudesse fortalecer o combate à ditadura militar.
“Um neo-existencialismo não pressentido na época convencia aquela juventude a rejeitar uma secular esquizofrenia cultural que separava política e existência, arte e vida, teoria e prática, discurso e ação, pensamento e obra.”

Liberdade sexual

Enquanto se discutia os caminhos políticos para o país, temas como o uso das drogas, a liberalidade sexual e o uso de anticoncepcionais eram postos em debate, incorporando-os aos questionamentos morais que pudessem justificar as ações do regime totalitário, no poder.
Os debates sobre a chamada revolução sexual eram postos em livros, revistas, mesas de bares, festas de aniversários, encontros musicais e esquinas das pequenas e médias cidades. Debatia-se tudo e com todos sem ou com parcas experiências pessoais.
Os jovens defendiam comportamentos sobre os quais nada sabiam. Apesar de fervilhar debates em encontros culturais, festivais e nas escolas a divulgação era lenta, nada comparada às redes sociais atuais.

Rompimento com a moralidade

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Os que ouviam as pregações na defesa de um rompimento moral repicavam como verdades absolutas sem se preocuparem com as avaliações das suas consequências, fossem elas benéficas ou não.
Fora dos grandes centos os temas chegavam nos encontros sociais de forma atabalhoada deixando, de certa forma, vulneráveis os pais e educadores que não sabiam como interagir às questões.

Cultivando o medo

Opor-se ao discurso contextualizado de esquerda era considerado “careta”, até porque a esquerda política, a liberalidade sexual, a estética, a ética e a moral permeavam um só contexto.
Defendiam o que nunca tinha experimentado como forma de rebelar-se de uma couraça figurada representada pelo regime. O regime sabia disso e fazia questão de cultivar o medo.
“Contra a pílula havia resistências que iam do temor natural dos seus efeitos, não de todo conhecidos, até o preconceito que via nela um instrumento de promoção da promiscuidade.”
A falta de aceitação das diferentes manifestações políticas nos movimentos considerados como “de esquerda” criou rejeição a importantes personagens que se destacaram nos movimentos.

Manifestação cultural

Para alguns pegar em armas era a solução, outros preferiam a simbologia das manifestações nas ruas, e, existiram, ainda, os que ignoravam o poder através de expressões culturais que pudessem afrontar a moral, da época.
o-ano-que-nao-terminou-8Neste sentido, e infelizmente não só neste, a percepção da direita foi mais, digamos, dialética — como puderam comprovar a própria Leila, Caetano, Gil e outros da chamada esquerda “alienada”. Ao perseguir Leila pela sua conduta moral ou ao raspar os caracóis dos cabelos de Caetano na cadeia, logo depois do AI-5, a repressão ensinou à esquerda, que vaiara o compositor dois meses antes, que tinha uma visão mais ampla daquilo que podia não parecer, mas era também subversão.”

Tropicalismo e Bossa Nova

A culto ao psicodélico tornou-se uma busca por algo inexistente: a tentativa da descoberta de algo novo. Haviam os que optavam por uma criação poética, aparentemente desengajada.
joao-gilberto-gil-caetanoEm contraponto ao Movimento Tropicalista – ousando colocar tudo pelo avesso – veio a beleza melosa da Bossa Nova impondo outra forma de protesto: amor, paixão, harmonia e estilo tangenciando os outros acontecimentos e aguardando o país voltar à normalidade.
Agora, distante dos fatos ocorrido esta percepção tende a ficar mais clara, contudo sem afiançar que a Bossa Nova tenha sido premeditada, como expressão de cunho político a social.
Possivelmente, os tidos intelectuais cariocas que se apossaram da Bossa Nova estavam com os “sacos cheios” da situação e resolveram fumar maconha, beber whisky com gelo e Coca-Cola e imitarem a batida, no violão, do baiano João Gilberto.

Gláuber Rocha

glauber-rocha“Um dia eu estava sozinho na beira da estrada, fumando”, recorda Calmon. “Ele chegou e pediu: -deixa eu experimentar essa porra’. E sumiu.” Calmon ficou imaginando o que seria a cabeça já naturalmente delirante de um gênio como Gláuber em contato com a maconha. Que visões! que ideias! que planos! Seria certamente uma viagem inesquecível. De repente, Gláuber apareceu. Calmon deu um pulo: — E aí, Gláuber? Sublinhando cada palavra como se elas o tivessem conduzido ao nirvana, o genial criador de Deus e o diabo na terra do sol respondeu: – Bati uma punheta!! A tão esperada viagem do mais revolucionário cineasta brasileiro não o levou além do alcance da mão.”

A repressão

o-ano-que-noa-terminou-2Enquanto a considerada esquerda discutia o modelo e forma de reagir o regime militar reinventava e estabelecia seus critérios de repressão.
“Discutia-se um modelo de revolução, e como se chegar a ela. Pelo menos duas concepções se chocavam. Uma entendia a revolução como ruptura violenta, isto é, como uma explosão desencadeada por uma vanguarda que, ao ser logo substituída pela classe operária, criaria uma sociedade nova e um homem novo. Defendiam essa concepção as organizações que já se preparavam para a luta armada e os setores estudantis e culturais a elas ligados. A outra posição, defendida pelo PCB, via a revolução não como um objetivo imediato, e sim como um lento processo, que poderia até culminar com uma ruptura, desde que o resultado da gradual organização civil e da acumulação de forças. Uma boa iniciação política passava pela adoção de uma ou outra dessas linhas. Classificavam-se as pessoas como se classificam os torcedores: “fulano é revolucionário, fulano é reformista”; ou melhor: “fulano é esquerdista, porraloca”; ou, ao contrário, “partidão, conciliador”.”
Confundiam as expressões dos marginalizados políticos da classe média com revolucionários burgueses.
Até que de certa forma, por cansaço das forças armadas e redução dos apoios internacionais a abertura política ocorreu.

A história

O livro de Zuenir Ventura leva os que participaram daquele momento político a lembranças e reflexões sobre os acontecimentos além de possibilitar aos  jovens conhecer um pouco do ocorrido.
Recomendo a leitura!

Onde comprar

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1968, O Ano Que Não Terminou – Livraria Saraiva
1968, O Ano Que Não Terminou – Livraria Cultura



Zuenir Ventura

zuenir-ventura-1Nasceu em Além Paraíba, MG, em 01/06/1931. Jornalista e escritor é diplomado em Letras Neolatinas. Em 1956 começou a trabalhar Tribuna da Imprensa.
Certo dia, Carlos Lacerda, o diretor do jornal, pediu-lhe um texto sobre Albert Camus que lhe credenciou a ser transferido para a redação do jornal.
Em 1960 ganhou uma bolsa de estudos do governo francês para estudar no Centro de Estudos de Formação de Jornalistas.
A partir daí fez uma longa carreira na grande imprensa: Correio da Manhã, Fatos e Fotos, Diário Carioca, O Cruzeiro, Veja, Visão, Isto É, Jornal do Brasil, onde dirigiu o Caderno B Especial e criou o Caderno Ideias.
Trabalhou sempre na área editorial fazendo o que mais gosta: jornalismo cultural.
Costuma dizer que sua carreira é uma pirâmide invertida.
Depois do primeiro livro, passou de chefe a repórter e cronista.
Seu primeiro livro – 1968: o ano que não terminou (1988) – fez um balanço da época e ficou várias semanas na lista dos mais vendidos. Outros livros: Cidade partida (1994), Inveja: O mal secreto (2001), Chico Mendes: crime e castigo (2003), e As vozes do golpe (2004).

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