– Miguel de Cervantes –
Dom Quixote de La Mancha escrito por Miguel de Cervantes é considerada uma obra monumental, não só pela linguística exuberante e desafiadora, mas, também, pelo registro de conceitos e valores de uma época onde havia carência de leis.
Imperavam à época aspectos morais e éticos definidos por uma sociedade monarca e burguesa.
Afinal, estamos falando da Espanha no século XVII.
Cervantes enfrentou muitos desafios dentre os quais um duelo aos 22 anos, a batalha de Lepanto, e um sequestro seguido de prisão em Argel.
Concluiu a primeira parte da obra em 1605 e publicou a segunda parte em 1615, um ano antes da sua morte.
Na segunda parte da obra decide por mata o herói protagonista para evitar a continuidade da história por algum impostor.
À época era comum alguém editar sequências de obras se passando pelo autor original. Fato que aconteceu com dom Quixote de La Mancha. Um ano antes da publicação da segunda parte da história, Alonso Fernández de Avellaneda, publicou uma falsa continuação da primeira parte da obra.
A construção da história
O autor constrói um herói de cavalaria diferente dos demais heróis representados em romances da época.
Escolhe como protagonista um esquelético e alucinado senhor de idade; um escudeiro com baixa estatura, gordo e esperançoso; uma mulher parruda e analfabeta; um cavalo pangaré que mal conseguia andar e um pequeno burro de carga.
Com esse elenco confuso e despretensioso, contrapondo fenótipos de heróis descritos em romances da época, constrói um personagem digno, focado em valores éticos e espalhando diálogos socialmente ricos com o seu fiel escudeiro Sancho Pança.
O autor deu a Dom Quixote a tarefa de sonhar e a Sancho Pança a missão de redirecionar o Cavaleiro da Triste Figura quando ele exagerava na insanidade.
Conceito de justiça
A obra foi escrita com base em conceito de conceber politicas através de homens justos. Agir corretamente baseado na própria consciência.
Na época, inexistiam leis para que as pessoas agissem de acordo com elas. A consciência definia a ação, diferentemente da sociedade moderna cuja consciência é um assunto de foro íntimo.
Atualmente, as leis norteiam o que é o certo e o que é errado. A justiça deixa de ser algo de foro íntimo, da consciência pessoal, para se colocar em algo coletivo.
Dom Quixote interfere em ações que nem sempre resultam em resultados esperados. Defende viver com base em valores simples. Decide, simplesmente, ser bom!
Algumas das suas atitudes esbarravam em resultados desastrados. Pelo fato de ser bom, às vezes defendia pessoas em situação de vulnerabilidade sem se preocupar a quem estava defendendo e se deparava com situações vexatórias.
Sonho e realidade
Cervantes traça uma linha muito interessante a respeito dos sonhos e da realidade e chama a tenção para a dificuldade de se separar os sonhos da realidade.
Quixote elegeu Dulcineia para sua amada por a ter idealizado perfeita, porém, segundo a narrativa, ela não passa de uma camponesa sem atrativos físicos, culturais ou detentora de bons costumes.
Dulcineia como amada e Sancho como escudeiro jamais se apresentaria nos Livros de Cavalaria escritos à época. Cervantes ao caracterizar o elenco dos personagens faz um contraponto com outros autores. Critica a superficialidade literária que existia à época.
O texto possibilita a percepção de como é possível construir e/ou desmoronar as fantasias e projetos. Os diálogos democráticos entre Sancho e Quixote se tornam um exercício constante e sob várias formas e contextos.
Dom Quixote “cai do cavalo” várias vezes, mas se mantém perseverante diante de qualquer situação. Ensina a perseverar nos sonhos.
Dialogar e aprender a ouvir
O livro tem um significado abrangente em relação à prática do diálogo.
Insiste para o exercício da prática do ouvir.
Ressalta a importância das abordagens opinativas mesmo sendo elas advindas de pessoas consideradas como de menor importância.
Dom Quixote aceita a opinião do servo Sancho Pança, mesmo ele não tendo instrução e sendo seu subordinado.
Dom Quixote pede perdão a Sancho por suas doidices e Sancho, por sua vez, se mostra desejoso da continuidade dos conselhos do patrão. Do início ao fim da história os ensinantes se reversam.
Cada macaco no seu galho
Depoimento de Sancho ao deixar de ser governador da ilha…
“Abri alas, meus senhores, e deixai-me voltar a minha antiga liberdade: deixai-me que vá procurar a vida passada, para que me ressuscite desta morte presente. Não nasci para ser governador nem para defender ilhas nem cidades dos inimigos que quiserem tomá-las. Entendo mais de arar e capinar, podar e limpar o mato dos vinhedos que de fazer leis ou defender províncias ou reinos. Bem está são Pedro em Roma: quero dizer, cada macaco no seu galho, cada um no ofício para que nasceu”
A mais cruel das mortes
A tristeza de Quixote pela falta de reconhecimento e sua preocupação com a crueldade da fome…
“Come, amigo Sancho — disse dom Quixote —, mantém a vida, que te importa mais que a mim, e me deixa morrer nas mãos de meus pensamentos e pelas forças de minhas desgraças. Eu nasci para viver morrendo, Sancho, e tu para morrer comendo. Para que vejas que te digo a verdade, considera meu caso: impresso em livros, famoso nas armas, cortês em minhas ações, respeitado por príncipes, cortejado por donzelas; mas, no fim das contas, quando esperava palmas, triunfos e coroas, conquistados e merecidos por minhas intrépidas façanhas, nesta manhã me vi pisoteado, humilhado e moído pelas patas de animais vis e imundos. Essa consideração me embota os dentes, paralisa-me os molares, tolhe-me as mãos e me tira de todo a vontade de comer, de modo que penso me deixar morrer de fome, a mais cruel de todas as mortes.”
Escrever sobre dom Quixote de La Mancha, sem sombra de dúvida, é uma tarefa ingloriosa, como foram as suas batalhas. Cervantes nos oferece uma obra aberta, atual e reflexiva que possibilita o entendimento de como construirmos as nossas fantasias e como desconstruímos nossos sonhos.
A leitura é recomendadíssima!
Quem não tiver condições de ler a obra completa, composta por dois volumes, pode lê-la na forma resumida.
Deixar de ler Cervantes é perder a oportunidade para conhecer um dos textos mais respeitados da literatura mundial.
Miguel de Cervantes
A provável data de nascimento de Cervantes pode ter sido 29 de setembro de 1547 em Alcalá de Henares, na Espanha.
Sua morte foi em 22 de abril de 1616 em Madrid, na Espanha.
Filho de um cirurgião cujo nome era Rodrigo e de Leonor de Cortinas, foi batizado em Castela no dia 9 de outubro de 1547, na paróquia de Santa María la Mayor.
Dom Quixote é um clássico da literatura ocidental e considerada um dos melhores romances já escritos.
Cervantes exerceu muita influência sobre a língua castelhana, por isso se considera “A língua de Cervantes”.
Em 1569 foge para Itália depois de um duelo com Antonio Sigura. Lutou na batalha de Lepanto, contra os turcos, no ano 1571 e foi ferido na mão e no peito.
Em 1575, durante seu regresso de Nápoles a Castela é capturado por corsários de Argel, então parte do Império Otomano. Permanece em Argel até 1580, ano em que é liberado depois de pagar seu resgate.
De volta a Castela se casa com Catalina de Salazar, em 1584, e viveu algum tempo no povoado de La Mancha em Esquivias.
Publica, em 1585, o seu primeiro livro de ficção, A Galatea.
Em 1605 publica a primeira parte de sua principal obra: O engenhoso fidalgo dom Quixote de La Mancha.
A segunda parte da obra é publicada em 1615: O engenhoso cavaleiro dom Quixote de La Mancha.
Um ano antes da publicação da segunda parte da obra, Alonso Fernández de Avellaneda, publica uma falsa continuação de “O engenhoso fidalgo dom Quixote de La Mancha”, fato que contrariou Cervantes.
Entre as duas partes de Dom Quixote, aparecem as Novelas exemplares (1613), um conjunto de doze narrações breves, bem como Viagem de Parnaso (1614). Em 1615 publica Oito comédias e oito entremezes nunca antes representados. O drama A Numancia e O trato de Argel, ficou inédito até ao final do século XVIII.
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