A minha memória é um guarda-roupa tão inverossímil que não sei mais se realmente vivi ou sonhei o que ele contém.
Charles Chaplin foi um dos grandes ícones do cinema e, quanto a isso, não existem dúvidas. Preferências à parte, seus filmes são comentados e estudados até hoje, seja para dar boas risadas, explicar algum conceito sociológico ou explorar elementos cinematográficos.
Mas, se já sabemos tanto sobre a sua vida enquanto astro hollywoodiano, que tal falar um pouco sobre seu encontro com a morte? Essa é a premissa de A Última Dança de Chaplin, livro de Fabio Stassi publicado no Brasil pela Editora Intrínseca.
Stassi é um autor italiano, considerado um dos mais talentosos de seu país. Nessa publicação, ele combina elementos reais a cenários fictícios, em que o intérprete de Carlitos revela quem é longe das suas máscaras teatrais.
A história começa com uma espécie de roteiro entre Chaplin e a Morte. O ator já passou dos 80 anos e (de acordo com a profecia que ouviu de uma cartomante quando ainda era jovem e desafortunado) aquela deveria ser a noite em que se despediria do mundo. Contudo, depois de fazer a ceifadora rir, Chaplin propõe um acordo: ela permite que ele continue vivo e pode retornar a cada Natal, mas só levará sua alma se não der uma única risada sincera nesses encontros.
A Morte concorda e, na próxima página, o ritmo da história já é outro. Agora, estamos acompanhando uma narração em primeira pessoa, em que o próprio Chaplin conta a seu filho, Christopher James, sobre o acordo com a Morte e a sensação de que seu fim está se aproximando.
Através de uma carta, o ator entrega a Christopher todos os segredos de sua carreira. De aventuras em navios a romances proibidos, conhecemos as dificuldades financeiras e planos ardilosos que o transformaram de um menino pobre, criado entre artistas itinerantes, a uma das maiores estrelas do cinema.
Os capítulos seguem como uma conversa informal entre pai e filho – mesmo que só um deles, Chaplin, apareça. Ao longo da história, surgem algumas imagens importantes da vida do Vagabundo: mímicos que gostavam de contar histórias nos bastidores do circo; o seu primeiro amor por uma jovem dançarina; uma viagem conturbada a Nova York e sua jornada como um nômade, trabalhando em uma vidraçaria, uma loja de animais empalhados e até em uma academia de boxe.
Em determinados pontos, os capítulos são interrompidos para que o roteiro entre Chaplin e a Morte se apresente mais uma vez, mostrando como ele conseguiu encantá-la (ou enganá-la) durante alguns anos.
A Última Dança de Chaplin prevalece alguns aspectos da vida do ator, mostrando-o como um apaixonado pela carreira, pelas pessoas e, principalmente, pela vida. Com um enredo desses, o livro tinha tudo para dar certo, ainda mais se adicionarmos a importância que o livro dá às mudanças proporcionadas pelo cinema (um deleite para os fãs da sétima arte), o belíssimo design da capa e, é claro, o próprio nome de Chaplin, que criava grandes expectativas em relação ao conteúdo das páginas.
Contudo, a narrativa é um pouco lenta e acaba quebrando a magia para o leitor. A proposta de aliar fatos e ficção é incrível, mas não conseguiu se materializar tão bem quanto o esperado e – confesso – acabou deixando a desejar.
Em termos de conteúdo visual, o livro é muito profissional, mas a forma como os elementos são apresentados possui muitos rodeios e exageros narrativos, que se tornam forçados durante a leitura. Outro ponto crucial é que, enquanto o Chaplin personagem (aquele que realmente age e possui o discurso direto na narrativa) se apresenta muito carismático, o Chaplin narrador (que está contando a história da sua juventude) é um pouco egocêntrico e desagradável – como se fossem duas pessoas diferentes. Esse jogo de personalidades, em vez de instigar e brincar com as percepções do leitor, tira todo o encantamento da história.
Portanto, A Última Dança de Chaplin não é tudo o que se espera – principalmente se você o recebe com a expectativa de acompanhar uma bela valsa e acaba saindo com alguns calos no pé. Para a nossa sorte (e de Chaplin), seus movimentos continuam eternizados nas películas e são eles que devem realmente nos conduzir.
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