Uma vez que você tem a oportunidade para realmente dirigir e a história que você está morrendo de vontade de contar, aproveite-a da melhor maneira que puder e não se distraia com nada mais. E seja honesto.
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Quando finalmente assisti a “Los Angeles: Cidade Proibida” (1997) quando tinha uns 14 anos, o film noir era ainda uma incógnita para mim. Não por ser apenas um subgênero adulto, mas pelo difícil acesso em encontrar os seus principais representantes em um bairro sem videolocadoras alternativas.
A adaptação do romance homônimo de James Ellroy concentra tudo que há na cartilha de um bom “filme negro”: uma trama de mistério ambientada em um cenário de violência habitado por agentes da lei, indivíduos de caráter questionável e mulheres dúbias, tudo envolto a uma estética singular de luz e sombras. Teria levado todas as nove estatuetas do Oscar para as categorias em que foi indicado se “Titanic” não estivesse na disputa no mesmo ano – Curtis Hanson e o seu parceiro Brian Helgeland asseguraram uma vitória pelo texto adaptado enquanto Kim Basinger foi a Melhor Atriz Coadjuvante em um momento em que a sua carreira estava a um passo de cair no abismo.
O sucesso de “Los Angeles: Cidade Proibida” permitiria a Curtis Hanson o envolvimento com qualquer grande projeto que desejasse, mas o cineasta preferiu seguir um planejamento já em curso e que posteriormente se revelou mais ousado: o de investir em uma carreira pautada pela versatilidade. Fotógrafo de formação e escritor à caça de freelas, Hanson sempre ambicionou uma carreira no cinema, debutando atrás das câmeras aos 27 anos com “Sweet Kill”, no qual foi apadrinhado pelo lendário Roger Corman.
Por 15 anos, precisou trabalhar com os projetos que lhe eram oferecidos, incluindo até mesmo “Losin’ It”, um dos primeiros filmes de Tom Cruise e batizado no Brasil como “Porky 3” para capitanear em cima da franquia de Bob Clark. Poucos sabem, mas Hanson também tem crédito no roteiro de “Cão Branco” (1982) de Samuel Fuller.
A sorte grande finalmente apareceu em 1987 com “Uma Janela Suspeita”. Protagonizado por Steve Guttenberg, Elizabeth McGovern e a francesa Isabelle Huppert, o thriller tem um espírito hitchcockiano, mas a voltagem erótica aponta que Hanson também assistiu atentamente aos filmes de Brian De Palma.
Com valores corrigidos, “A Mão que Balança o Berço” (1992) é o maior sucesso de bilheteria de Hanson, algo que se deve muito a Peyton Flanders, personagem de Rebecca De Mornay que apavorou todas as mães da plateia que zelavam por suas famílias. No entanto, a produção também culminou na decisão de Curtis em seguir o desejo de explorar novos gêneros, algo sinalizado dois anos depois em “O Rio Selvagem” e, um pouco mais adiante, com a consagração de “Los Angeles: Cidade Proibida”.
A atmosfera de uma Los Angeles sórdida dos anos 1950 não combinava nem um pouco com o tom de crônica que trouxe para “Garotos Incríveis” (2000), versão cinematográfica de um romance publicado em 1995 por Michael Chabon. Poucos foram aos cinemas, mas isso não impediu que a filme fosse considerado um dos melhores no ano em que foi lançado, rendendo inclusive um Oscar para o cantor Bob Dylan, que compôs a canção “Things Have Changed”.
Os filmes mais recentes de Hanson também não seguiram um rumo previsível. Deu a sua visão sobre a juventude em Detroit do músico Eminem em “8 Mile: Rua das Ilusões” (2002), enveredou pela comédia romântica com uma premissa nada óbvia em “Bem-vindo ao Jogo”, foi um dos primeiros a avaliar os bastidores da crise econômica de 2008 com o telefilme da HBO “Grande Demais para Quebrar” (2011) e tentou dar a maior contribuição possível para “Tudo Por Um Sonho” (2012), precisando ceder no fim das filmagens a direção para Michael Apted por complicações que pouco depois descobriríamos ser de um diagnóstico de Alzheimer.
Claro que não poderia faltar uma menção especial para “Em Seu Lugar”, talvez o meu filme favorito de Curtis Hanson. Muitos colegas ainda afirmam que superestimo esse drama produzido em 2005. Não me importo, pois os meus sentimentos com ele seguem inabalados a cada revisão. Ao tecer o relacionamento conturbado entre as irmãs Maggie (Cameron Diaz) e Rose (Toni Collette), Hanson provou que com ele nunca existiu esse papo de que a adaptação do livro de Jennifer Weiner tinha como finalidade atingir somente as mulheres.
Mais do que um filme sobre problemas femininos, “Em Seu Lugar” é muito delicado em como exibe os benefícios que encontramos ao nos abrirmos para pessoas que detêm uma maior experiência de vida e o quão o perdão é uma das capacidades mais belas de nossa natureza. Cameron Diaz nunca esteve tão luminosa e choro copiosamente em sua leitura tanto de “A Arte de Perder”, poema de Elizabeth Bishop, quanto de “Eu Carrego Seu Coração“, de E. E. Cummings. Mérito do texto de Susannah Grant, mas tenho certeza de que o mais famoso registro fotográfico da Mary Ellen Mark foi uma sugestão do diretor. Uma pista de que Hanson compreendia e dominava intimamente as realidades que orquestrava para depois compartilhar com o público.
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