Retrô, moderno, dançante, bonito, eletrônico e comercial. É tudo isso mesmo e ainda tem solos de trompete e sax
Por Lucas Scaliza
Se a pós-modernidade artística é a crença ou a capacidade de usar todos os referenciais existentes como ferramentas para algo novo – como prédios cheios de transparências, mas com colunas gregas e decoração egípcia – e ainda por cima não ter o puder de anunciar que essa arte está à venda, podemos dizer então que Parov Stelar é pós-moderno pra burro!
Parov Stelar – codinome do austríaco Marcus Füreder – é um músico, produtor e DJ que tem se destacado. Desde 2001, lançou 13 álbuns e ficou conhecido por iniciar um tipo de música eletrônica chamada de electroswing. Esse estilo consiste em se apoiar em músicas antigas de swing e dar uma roupagem nova a elas, com as batidas do eurodance e do house atual, mas mantendo o feeling original da gravação de época, dando a várias de suas músicas um sabor vintage embalado com modernidade. O álbum duplo The Demon Diaries, seu novo disco, tem muito disso.
“Clap Your Hands”, single do trabalho, é o exemplo mais fácil. A voz e o naipe de sopros são gravações dos anos 30 (você percebe fácil a qualidade abafada do vinil da época), mas Stelar coloca uma batida de house e um baixo e faz a música transitar entre o hoje e os anos 30. Retrô, mas moderno. “The Green Frog”, “Djangos Revenge” e “Gin Tonic” usam o mesmo modus operandi. A música é atual, mas quando as partes vintage aparecem, você nota imediatamente. Ou então seções melódicas (no sax, trompete ou piano) são gravados com produção atual, mas a música remete ao passado.
A princípio, essa mistura pode causar estranheza. É como se Stelar estivesse recriando músicas clássicas de bailes dos EUA de 1920 a 1940 e dando uma cara comercial para o mercado das boates de hoje. E em grande medida, é isso mesmo que ele está fazendo. Mas após o momento de estranheza, dá para apreciar o resultado. “Don’t Mean a Thing”, também dentro desse esquema moderno-retrô, ficou ótima. Já “Josephine” se aproveita de um esquema muito usado na música eletrônica dos últimos anos (feito para funcionar perfeitamente em qualquer pista de dança de qualquer parte do mundo) e apenas insere ali no meio da batida e do teclado a melodia anos 30 dos sopros.
Mas o primeiro disco tem outras músicas que não se apoiam no electroswing. A bela “Keep This Fire Burning” usa muito bem violinos para dar o clima triste da música enquanto o piano trata de temperar a harmonia. Com Timothy Auld nos vocais, “Hooked on You” é um eurodance bem comercial. “Heat Me Like a Drum”, outra na voz de Auld, tem um violão comando o ritmo junto com batidas de house que remetem à música do leste europeu. Essas influências do leste é outra característica que encontramos na obra de Marcus Füreder. E “I Nedd L.O.V.E” combina tudo – house, electroswing e sopros – e ainda acrescenta uma guitarra bem funkeada.
Isso tudo está no primeiro disco de The Demon Diaries. É inegável que há um misto tanto de criação artística quanto de pastiche artístico, onde se toma a referência só para poder transformá-la em outra coisa mais vendável e, talvez, sem o respeito ou a homenagem ao estilo. Como já anunciado, o álbum é para as pistas.
No segundo álbum, Parov Stelar parece seguir uma linha mais artística e mais contemporânea, retirando o pastiche de cena. Se no primeiro é o ritmo dançante e animado que predomina, o segundo se deixa ser mais viajante e se aproveita de melodias do jazz, mas sem perder a música acessível de vista, ficando ali entre um Chromeo e um Röyksopp.
“The Sun”, com Graham Candy, “Six Feet Under”, com Claudia Kane, e “Walk Away”, com Anna F., são músicas mais parecidas com a produção radiofônica de Moby. A ótima “Summertime” tem base (bateria e baixo eletrônicos) de electrohouse, solos de trompete jazzistas (que lembram a trilha do seriado Homeland) e Maya Bensalem interpreta com o mesmo drama de uma Lana Del Rey. Se no primeiro disco ele faz uma “Josephine” para pistas, no segundo Anduze cantar uma versão piano e voz da canção, dando uma cara de balada RnB a ela.
“Magenta Rising” é uma das melhores faixas de todo The Demon Diaries. Piano aos poucos vai dando lugar a um redemoinho de violinos sem se preocupar em apressar nada para o ouvinte. Aqui os solos de saxofone trazem o jazz para uma faixa que é deliciosa e viajante. O clima se mantém em “Gold Arrow”, com Lilja Bloom, e na balada “The Sea”, com Harald Baumgartner. A ótima “Don’t Believe What They Say”, com vocais de Angela McCluskey, vem com bons arranjos de trompete e de piano preenchendo a faixa. O disco fecha com “The Lonely Trumpet”, com cara de trilha sonora e uma leve base de house.
Ouvir The Demon Diaries sem ser um entusiasta da música dance pode ser uma briga consigo mesmo. Por um lado, tem tudo o que você espera de uma obra de música eletrônica. Por outro, é um exercício de estilo (electroswing) e às vezes almeja ser mais criativo do que meramente comercial. No final das contas, acredito que o austríaco fez um belo trabalho e não deixou pontas soltas. Antes que fosse acusado de ser só mais um eurodance para as massas, trabalhou bem suas canções (principalmente no segundo disco) para mostrar que pode mais.
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