por Ronaldo D'Arcadia
Em 1994, quando os espeleólogos (especialistas em cavernas) Jean-Marie Chouvet, Cristian Hillaire e Elliete Brunel procuravam por correntes de ar vindas de frestas (sinais de uma possível caverna) em Vallon-Pont-d’Arc, na França, algo extraordinário aconteceu: eles se depararam com um dos locais mais importantes do mundo. A Caverna de Chauvet (batizada com o nome de seu descobridor), além de possuir incomuns 400 metros de extensão, é o provável berço da criatividade humana, exteriorizada em forma de arte.
Em meio a fósseis de diversos animais, foram descobertos inúmeros painéis com pinturas rupestres feitas por homens a mais de 30.000 anos. Elas são duas vezes mais antigas do que qualquer outra evidência encontrada até hoje. Só que o mais surpreendente é o estado de conservação das obras: praticamente intactas, como se houvessem sido pintadas um dia antes, com pedaços de tochas e rochas, a dedo ou com as palmas das mãos. Devido a um desmoronamento que selou completamente a entrada, o ambiente dentro da caverna se tornou inalterável por milênios. Uma verdadeira cápsula do tempo, intocada.
Diante da importância desta descoberta, o governo francês logo se empenhou em restringir o acesso ao local de forma rígida – tendo em vista o surgimento de mofo nas paredes da também importante Caverna de Lascaux, que acabou sofrendo com a respiração de seus muitos turistas. Vedada com uma porta maciça, como de um caixa forte, poucos são autorizados a entrar em Chauvet, sendo o icônico diretor alemão, Werner Herzorg, um dos poucos privilegiados. Ele registrou lá sua "Caverna dos Sonhos Perdidos", sem fins comerciais, visando principalmente propagar informações sobre este importante patrimônio natural.
Herzorg acompanhou uma expedição cientifica constituída de especialistas de vários campos, incluindo estudiosos da arte. Com uma equipe enxuta, utilizando câmeras digitais não profissionais, tendo disponível um tempo curto de trabalho e respeitando os criteriosos procedimentos dentro da caverna, o diretor acabou driblando as adversidades de maneira sem precedentes, e o resultado não poderia ser mais elucidativo e belo.
Fugindo completamente do estereotipado conceito de documentário científico, o cineasta opta então por uma linguagem reflexiva. A trilha de Ernest Reijseger, que é composta por violoncelos em sua totalidade e carregadas de um sentimento levemente mórbido, exemplifica bem o espírito de nossa pequenez diante da empreitada rumo à compreensão humana. A narração, realizada pelo próprio Herzorg, oferece um texto extremamente poético, que esmiúça de forma cognitiva a importância e beleza do lugar. E fortalecendo ainda mais a experiência, a excepcional fotografia alcançada na escuridão da "Caverna dos Sonhos Perdidos" foi exibida nos cinemas em 3D. Deslumbre visual e técnico afinal.
Entre as pinturas encontradas na Caverna de Chauvet estão principalmente imagens de animais: muitos cavalos, rinocerontes, touros, leões e ursos. A técnica desses artistas primitivos (obviamente foram mais de um nestes 30.000 anos) é surpreendente. Em certos momentos ela proporciona movimento aos animais, compõe cenas, utiliza as oscilações das paredes a seu favor. Podemos dizer que a importância dessas obras só é tão grande quanto o vale exterior à caverna, sendo que os habitantes que viveram naquele local, marcado por um grande arco natural e quase mítico, precisavam expor sua beleza de alguma forma, se tornando assim uma extensão do olhar da natureza: pureza, perfeição e espontaneidade, valores distantes de nossa massificada cultura atual.
Não perca a oportunidade de refletir com a "Caverna dos Sonhos Perdidos", a experiência é definitivamente enriquecedora.
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