The Beatles – Álbum Branco (Resenha)
Imagine o seguinte cenário. É 1968, a maior banda de rock do planeta acaba de sair de um sucesso avassalador responsável por uma verdadeira revolução cultural e até mesmo social, extrapolando todos os limites do experimentalismo e elevando o rock a um patamar artístico jamais visto até então, pois bem, o álbum que viria em sequência ia na contramão deste estardalhaço todo, pelo menos quanto a sua produção, esmerada porém mais calcada no estilo mais básico do rock sem os milhares de efeitos e maluquices sonoras do registro anterior.
Tudo isto refletia a transformação pelo qual os Beatles estavam passando naquele momento, afinal de contas eles ainda estavam se recuperando do choque da perda de seu empresário Brian Epstein, morto por overdose no ano anterior, tendo que lidar com toda a parte burocrática e administrativa da carreira, ainda mais agora que o grupo tinha acabado de fundar a sua própria gravadora, a Apple. Soma-se a isto tudo uma guerra crescente de egos, a luta de George Harrison por mais espaço no grupo e a presença quase que onipresente de Yoko Ono, nova namorada de John Lennon, o que contribuía para o clima pesado e tenso das gravações. Porém mesmo com todos os contras, o resultado foi uma das maiores obras primas do rock, The Beatles ou se preferir White Album.
O sucessor de Sgt. Peppers começou a ser gerido logo no início de 1968 no qual várias canções foram compostas durante um retiro espiritual na Índia, músicas como Dear Prudence, Sexy Sadie, The Continuing Story of Bungalo Bill entre outras foram geradas durante este período. O disco também destaca George Harrison como compositor de primeira linha com While my Guitar Gently Weeps, com a participação mais do que especial de Eric Clapton (não creditado), Piggies, com sua irônica critica social,long long long e Savoy Truffle (uma homenagem a Clapton e seu vício por chocolates). Outras pepitas encontradas no disco são a roqueira Back in the U.S.S.R., faixa que abre os trabalhos, Blackbird, uma das baladas mais lindas de sempre compostas por Paul Maccartney, Julia, uma tocante e comovente homenagem de Lennon a sua mãe, Rocky Raccon, no qual Macca mostra sua faceta Bob Dylan e Martha My Dear, onde ele supostamente homenageia sua cadela de estimação. Uma das canções mais curiosas do disco com certeza é Oh-la-di Oh-bi-la-da, sem dúvida a música mais fraca do álbum, e por que não uma das mais fracas de TODA a carreira do quarteto de Liverpool, uma prova de que nem tudo é perfeito…
Talvez a maior característica do disco seja a diversidade e ecletismo, já que os músicos na maior parte do tempo gravavam em estúdios separados e as canções quase em sua totalidade compostas por apenas um integrante, na audição o ouvinte percebe claramente a personalidade de cada um nas músicas, principalmente devido ao clima de rivalidade intenso durante as gravações na qual ninguém queria abrir mão de nada, sendo este o principal motivo para que o álbum fosse duplo e não simples como tinha sido até então, contrariando a vontade do produtor George Martin.
Outras peças importantíssimas estão espalhadas pela obra como Helter Skelter, considerada por muitos como a primeira canção de heavy metal feita na história. Revolution 1, um blues com uma letra bastante subversiva e politizada composta por Lennon, Revolution 9, um intenso trabalho de experimentação sonora composta com várias colagens e recortes de sons, barulhos e ruídos que sintetizavam o caos reinante no final dos anos 1960, claramente inspirado pelas maluquices vanguardistas de Yoko Ono, aliás canção que gerou forte discussão entre os integrante que não queriam que a música fosse incluída no disco, porém a insistência de Lennon acabou vencendo a resistência de seus companheiros.
De qualquer forma, é de se admirar como uma banda consegue gerar uma obra prima deste quilate em um cenário tão adverso, no meio de tantas desavenças, brigas, troca de empresário, saída de integrantes (Ringo Starr abandonou a banda durante as gravações, porém voltou duas semanas depois arrependido) entre outros, embora casos assim não sejam exceções no rock (Exile on Main Street e Rumours que o digam). Era o inicio do fim, algo que se agravaria durante as sessões do álbum Let It Be e que se encerraria em Abbey Road. O testemunho da genialidade e talento de uma banda que revolucionou a música e que acabou por sucumbir a si mesmo.
8.7ÓTIMO
Sem dúvida o ápice da maturidade que o quarteto de Liverpool alcançou, e talvez a melhor amostra do talento e genialidade de cada integrante.
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