por Ronaldo D'Arcadia
O governo de Margaret Thatcher como primeira-ministra (única mulher até hoje a ter assumido esta posição) foi sem dúvida um dos momentos políticos mais tensos da Inglaterra nas últimas décadas. Sempre soterrada por muita pressão, criada em resposta a seus métodos rígidos e pouco populistas, Thatcher ganhou a alcunha de “Dama de Ferro”, nome que batiza este filme, e que, apesar de parecer, não se trata de uma biografia política, mas sim de um retrato romantizado da líder britânica.
A história usa como cenário o início do novo século, com a personagem principal beirando seus oitenta anos de idade. Enfrentando "conscientemente" as sequelas de uma demência, Tatcher lida com a recente perda de Denis Tatcher, seu companheiro de longa data, que mesmo depois de sua morte continua fazendo parte do cotidiano da esposa. E é durante estes momentos de provação, por assim dizer, que o roteiro encontra suas brechas para inserir flashbacks de eventos importantes na vida da atual Baronesa.
A obra busca, acima de tudo, evidenciar o lado humano de Tatcher, mesmo que isso soe improvável. De forma didática e resumida, somos apresentados aos pontos altos de sua vida, que vão desde o início de sua jornada, em que era desacreditada pelo simples fato de ser uma mulher e filha de um dono de mercearia, até os momentos finais de sua carreira, quando perde o apoio da direita conservadora mediante sua inalterável posição contra a formação da União Européia e sua defesa do poll tax, que basicamente exigia que a população de baixa renda pagasse proporcionalmente mais impostos do que os de alta renda.
“A Dama de Ferro” contrasta de forma gritante ao último filme da diretora Phyllida Lloyd, o dançante “Mamma Mia”. Sua condução aqui é correta, respeitosa, mas extremamente fria e desprovida de sentimento. A áurea da obra é pesada e o clima de rejeição e mal estar é sempre evidente. O roteiro de Abi Morgan tenta valorizar a carreira e personalidade de Tatcher, mantendo eloquência e animosidade no texto, mas acaba extirpando, em muitos momentos, certo realismo necessário para a vida política, transformando tudo em uma maratona de acontecimentos metódicos que visam demonstrar o poder de persuasão da primeira-ministra.
No entanto, o mais interessante e válido da obra é a interpretação extremamente verossímil de Maryl Streep. A experiente atriz “americana” encarna de forma memorável a líder inglesa, simplesmente desaparecendo por trás de seus olhos, especialmente como anciã. Seu trabalho vocal é surpreendente, e toda a firmeza e convicção das palavras de Tatcher ganham vida de forma real. Um trabalho excepcional, pelo qual já foi premiada no Globo de Ouro e é a preferida para o Oscar em 2012.
Percebemos então que “A Dama de Ferro” apresenta de forma controversa a história desta que foi uma das lideres mais amadas e odiadas da Inglaterra, e até que isso faz um pouco de sentido. Com a obra sendo completamente parcial na questão “ela fez um bom governo”, somos compelidos, pela própria personagem, a aceitar que suas decisões são, de fato, as melhores escolhas, novamente algo próximo do real, pois sua dinâmica na oratória foi o motivo de sua ascensão ao poder.
Mas diante desta aparente redenção, vale lembrar que seu governo passou por altos e baixos extremos. Apesar de ter reestruturado temporariamente o país após uma severa recessão, sua política econômica, que visava o controle da inflação e a privatização de estatais, causou desemprego recorde, o que motivou extensos conflitos sociais, violentas greves e quebra dos serviços públicos essências do país.
No final, “A Dama de Ferro” tem seu valor depositado na incrível interpretação de Meryl Streep. Seus discursos e diálogos são assustadoramente idênticos ao da verdadeira mulher. É realmente prazeroso assistir o auge da carreira de uma experiente atriz, de máxima dedicação. No entanto, a obra como um todo decepciona por sua aspereza e introspecção, pois aceita, de forma preguiçosa, se esconder nas sombras da protagonista. Definitivamente uma história rica como essa poderia ter rendido mais frutos, principalmente com uma atriz do calibre de Streep a disposição.
A Dama de Ferro/ The Iron Lady: Inglaterra, França/ 2011/ 105 min/ Direção: Phyllida Lloyd/ Elenco: Meryl Streep, Jim Broadbent, Susan Brown, Harry Lloyd, Olivia Colman, Alexandra Roach
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