Corrente do Mal (It Follows)
It Follows, de David Robert Mitchell
Bem como para Jim Mickle em “Julho Sangrento” quanto para Adam Wingard em “The Guest”, o veterano John Carpenter é uma influência evidente para o cineasta David Robert Mitchell em “Corrente do Mal”. A partir de uma premissa de ordem aparentemente espiritual, “Corrente do Mal”, bem como “Halloween” com o seu assassino impiedoso, se articula com a construção minuciosa de personagens ao mesmo tempo em que estabelece a atmosfera densa que impregna o cenário.
Claramente ambientado nos dias de hoje, mas em uma Detroit que se perdeu no tempo, “Corrente do Mal” traz Jay (Maika Monroe, protagonista do já citado “The Guest”) como a vítima atual de uma maldição em vigência, repassada a partir de uma relação sexual. O seu pretendente (Jake Weary), antes um rapaz atencioso e amoroso, justifica a sua ação como um instinto de sobrevivência e alerta a ela que será preciso encontrar um novo parceiro sexual caso não queira se tornar o próximo alvo dessa corrente.
Mesmo com um único longa-metragem desconhecido pelos brasileiros em seu currículo (“The Myth of the American Sleepover”), David Robert Mitchell é um jovem com pleno conhecimento de seu ofício de diretor. Além da nostalgia como combustível, há em “Corrente do Mal” um risco pela quebra de paradigmas que estabeleceram as regras do gênero. Pouco usuais nos filmes de terror, os planos abertos revelam uma geografia amedrontadora. Mitchell também faz a escolha de remover da escuridão a sua ameaça, com ela no encalço da protagonista em paisagens banhadas pela luz natural.
Ao infringir algumas leis do gênero, Mitchell constrói um filme verdadeiramente assustador, um tormento que toma a forma de moribundos aleatórios apenas visíveis para Jay e que parecem receber impulso com os sons diabólicos do compositor de música eletrônica Rich Vreeland, mais conhecido no universo dos games como Disasterpeace. É um sentimento de angústia que se amplifica, mas que o texto nem sempre corresponde.
Também roteirista, David Robert Mitchell estabelece uma maldição que funciona pela sua obscuridade e ausência de justificativas. No entanto, a forma abstrata que molda inclui uma série de escolhas questionáveis. Devastar o cenário com a ausência de figuras adultas, de pais e mães, confere um sentimento de abandono que encontra dificuldade de provar o seu ponto, especialmente pelo clímax mascarar um “seguidor” com um rosto familiar para Jay. Também é incompreensível a conversão do sobrenatural em matéria possível de ser alvejada. Faltou parcimônia no David Robert Mitchell que assinou o roteiro, mas aquele que o dirige soube contorná-lo com um pesadelo que domará o nosso inconsciente por um bom tempo.