E se o nosso mundo – por mais trágico, desesperador e terrível – fosse o melhor de todos os mundos? Começarei a resenha com essa pergunta, pois essa foi a impressão que fiquei ao terminar o mais novo livro de Stephen King – Novembro de 63.
Em 1973, Stephen King teve uma ideia para uma possível novela com o título de Split Track. Nesse livro, um homem voltava ao passado para interromper o assassinato de Kennedy… Ele escreveu aproximadamente umas catorze páginas antes de desistir. O motivo? King achou que a pesquisa necessária para a reconstrução desse evento era algo intimidador para um mero professor. Ele também disse, em diversas entrevistas, que o assassinato ainda estava recente na lembrança das pessoas, afinal, só se passaram dez anos. No entanto, as ideias boas permanecem, e essa ideia em particular atormentou King por trinta anos. Numa carta em 2007, enquanto King discute sobre a criação de comics, ele comenta sobre uma antiga ideia – embora os detalhes na época fossem ainda obscuros – sobre uma possível história do assassinato do presidente JFK.
E essa é a premissa deste novo livro. Em 849 páginas (o quarto maior livro de King), a história de Jake Epping é contada. Ele tem trinta e cinco anos, professor de inglês na escola Lisbon Falls, e adora seus estudantes. Contudo, fora das quatro paredes de uma sala de aula, ele leva uma vida entediante; divorciado, vivendo com um gato, nada de relevante para fazer. Tudo isso muda quando Harry Dunning, um de seus estudantes, escreve uma redação contando sobre o dia que mudou sua vida. Ele escreve uma violenta história, na qual uma disputa familiar levou sua mãe e irmãos à morte em 1958, quando ele ainda era um garoto.
Quase todos os dias ele visitava Al Templeton, o dono do restaurante de Lisbon Falls e seu grande grande amigo. Um dia, ele percebe como Al ficou extremamente doente da noite para o dia, algo inexplicável. Por causa disso, Al tenta explicar como conseguiu ficar doente em tão curto tempo. Ele viajou no tempo e morou anos no passado, tudo isso graças a uma porta e/ou portal na sua despensa. Essa porta – carinhosamente chamada de “buraco do coelho” – é uma fenda no tempo, algo inatural, podendo se destruir a qualquer momento. Qualquer pessoa que passar por essa porta chegará no mesmo local, em Lisbon Falls, exatamente dois minutos antes do meio-dia, no dia 9 de semtebro de 1958. E o mais importante de tudo é, cada vez que você atravessa essa porta, é uma primeira vez. Ou seja, todas as alterações que alguém fez no passado serão desfeitas no momento que essa pessoa voltar para o futuro e tentar voltar ao passado.
Isso é o que Al Templeton acredita. Ela usa a porta para comprar carne no preço de 1958, podendo assim vender sanduíches a preços bem mais acessíveis do que a concorrência. Numa dessas viagens, ele percebe que pode alterar o passado, e começa a pensar sobre momentos críticos que alteraram o curso da história, e se ele poderia fazer algo. O único fato divisor de águas próximo de 1958 seria o assassinato de Kennedy em 1963. Isso acaba se tornando o seu objetivo.
Só que nem tudo é tão fácil. O portal só te leva até 1958, o que significa que você teria que morar cinco anos no passado, até 1963, viajar de Lisbon Falls no Maine até Dallas, onde o assassinato ocorreu. A distância não é o maior problema, porém se ele fizesse algo errado durante esses cinco anos, teria de voltar ao futuro, e isso acarretaria no ‘reset’ do passado, ou seja, teria que começar do zero. E ele tem um grande inimigo, o tempo. Quando mais demorasse, mais velho ele ficaria, e não poderia interromper o assassinato, ou – no caso desse livro – ele descobre que tem um câncer terminal. Ele precisa de alguém para realizar essa tarefa.
É nesse momento que nossa personagem principal, Jake, entra em contato com o portal. Ele não acredita que poderia ir ao passado e alterar o rumo dos fatos, mas aceita a tarefa de pelo menos ver, e antes de aceitar a proposta de impedir o assassinato de Kennedy, ele resolve ir para o passado tentar alterar o massacre da família de seu estudante, Harry Dunning. Todo esse trecho funciona como uma introdução das capacidade e habilidades de Jake no outro lado. A premissa do assassinato da família de Harry e as ações que Jake faz para impedir o banho de sangue são uma história a parte dentro desse grande livro. Não vou entrar em detalhes, se Jake conseguiu ou não alterar esse capítulo na história, será explicado no livro.
Durante seu tempo no passado, Jake decide ajudar Al, ele tentará salvar Kennedy, impedindo assim os fatos consequentes ao assassinato e, quem sabe, trazendo uma sequência de mudanças positivas.
Nisso Jake volta ao presente e recebe mais informações e ajudas do Al, material que ele precisaria no passado, fatos culturais, entre outras coisas. Como o tempo é curto – a qualquer momento o portal poderia desaparecer – Jake volta ao ano de 1958. Ele simplesmente não pode ir até Lee Harvey Oswald – o suposto assassino de Kennedy – e matá-lo. Ele primeiro precisa provar que Oswald agiu sozinho, e também precisava esperar, pois o mesmo estaria na antiga URSS até 1962.
Nesse instante, o livro entra na sua melhor parte. Jake, para manter-se financeiramente no passado, aposta em jogos que ele já conhece o resultado, ganhando grandes somas de dinheiro, sempre tomando o cuidado para não chamar atenção. Stephen King usa do ‘efeito borboleta’ para explicar que, não importa o que Jake fizesse no passado, ele mandaria sinopses de mudanças para o futuro. Ele precisa tomar cuidado para não usar palavras ou gírias contemporâneas, não fazer referência a coisas que não existem, etc. Entretanto, alguns deslizes acontecem, e nem todos passam despercebidos…
Como ele tem cinco anos no passado, Jake se muda para a Flórida, onde ele aluga uma casa na praia e começa a trabalhar em sua biografia. Ele também muda de identidade, passando a se chamar George Amberson, e torna-se uma professor substituto. Em 1960, ele deixa a cidade e vai até Dallas, descobrindo que não gosta nenhum pouco da cidade. Por isso, ele se muda para uma cidadezinha vizinha chamada Jodie, onde ele arruma outro emprego como professor.
Até então, eu classificaria esse livro como ficção científica, porém a partir desse ponto, King cria com uma maestria uma história romântica, pouca vista em seus livros. Em Jodie, Jake conhece Sadie, uma bibliotecária, e se apaixona por ela. A história dos dois é meticulosamente contada, e não tem como o leitor não ficar interessado nesse relacionamento. Embora King exagere um pouco na caracterização de Sadie – deixando-a peigas – essa é uma parte do livro que funciona muito bem, e que demonstra como a habilidade de escrita de Stephen King engloba praticamente todos os estilos narrativos existentes.
O tempo e a quantidade de pesquisa que King colocou nessa obra são homéricos. Os detalhes são precisos, os sons e cheiros e movimentos são tão realistas, provavelmente sendo a melhor descrição de King até hoje. Uma boa parte da descrição foi baseada em suas próprias lembranças e, ao ler esse livro, as décadas de 1950 e 1960 são mais verossímeis do que poderíamos esperar. Até mesmo as personagens secundárias ganham feições e cortes de cabelo da época, coisa que poucos autores se importam em fazer.
Quanto mais perto Jake fica do dia 22 de novembro de 1963, mais perigoso e ameaçador torna seu caminho. Diversas coisas começam a acontecer contra Jake, afinal, o passado não foi feito para ser alterado. Caso Jake falhe, ele poderia voltar ao futuro, voltar ao passado e tentar novamente. Isso significaria mais cinco anos morando no passado. Ele teria coragem de fazer isso de novo?
E o que aconteceria se ele impedisse o assassinato? Ele e Al assumem que, caso Kennedy sobrevivesse, isso seria melhor para o país. No entanto, isso é uma hipótese. Uma coisa é certa, se ele conseguisse mudar a história, teria que voltar ao futuro para ver os resultados. Isso implicaria em deixar tudo no passado, seus amigos, namorada e todos aqueles que ele conheceu, e nunca mais voltar.
Ele pagaria esse preço? Ou existem alternativas? Embora King seja sempre criticado pelos seus finais apressados ou mal realizados, Novembro de 63 vai surpreender a todos. Um final inesperado e soberbamente realizado, digno para uma novela épica dessa proporção.
Problemas? King quer que amamos certas personagens, odiamos outras, e assim vai. Em certos momentos, ele exagera (como na caracterização de Sadie) e cai em clichês, os quais ele mesmo já utilizou diversas vezes. Embora o leitor é uma marionete que se deixa levar pelo escritor, às vezes é bom quando tiramos nossas próprias conclusões, sem exemplos escancarados e ajudas do autor.
Curiosidades? Um tal Plymouth Fury faz uma pequena aparição e, para os leitores que se sentiram abandonados com o final de A Coisa,Jake reside por um tempo na cidade de Derry, encontrando dois habitantes da cidade, que são familiares para todos aqueles que leram A Coisa. Uma ótima cena nostálgica. E como não podia deixar de mencionar, a porta na dispensa de Al leva você para um outro mundo… bem à la Torre Negra. (quem não se lembra da porta em Fedic no livro 7 que levava para o local onde Kennedy morreu?)
Em suma, Novembro de 63 vale muito a pena. Minha opinião inicial não era favorável, mas ao escrever essa resenha e reler o livro, eu vou ter que afirmar, esse livro é um dos melhores dele. Difícil de ser classificado (romance, ficção científica, romance histórico), totalmente fora do terror (e para aqueles que esperam uma história com monstros e muito sangue, estão lendo o livro errado), esse livro é a prova de que King consegue contar uma ótima história, fugindo de grande parte dos clichês, criando uma viagem no tempo fidedigna, carregada de suspense e humor.
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