ISBN: 9788504019179
Tradução: Rafael Farinaccio
Ano de Lançamento: 2015
Número de Páginas: 344
Editora: Companhia Editora Nacional
Tradução: Rafael Farinaccio
Ano de Lançamento: 2015
Número de Páginas: 344
Editora: Companhia Editora Nacional
Classificação: ♥♥♥♥♥
Em 1915, o massacre de milhares de armênios, perpetrado pelos turcos, tingiu para sempre as areias do deserto sírio com o sangue e os ossos de uma civilização inteira. Em meio a esse cenário desolador, Armen Petrosian, um jovem engenheiro armênio que perdeu a esposa e a filha, e Elizabeth Endicott, uma rica jovem americana, se apaixonam. Mas antes de assumir o que sentem, eles se separam quando Armen se alista no exército britânico e Elizabeth vai trabalhar como voluntária. Ambos testemunharão atrocidades que os marcarão para sempre antes que possam se reencontrar. Quase um século depois, às vésperas do centenário do genocídio, a neta do casal, Laura, embarca em uma jornada pela história de sua família, descobrindo uma história de amor, perda e um delicado segredo que ficou soterrado por gerações.
Chris Bohjalian é um romancista de renome nascido nos Estados Unidos. É autor de 15 livros publicados em vários países, com boa aceitação de público e crítica. Seu primeiro romance foi publicado em 1988, com o título A Killing in the Real World. Deserto de Ossos foi seu décimo quinto livro publicado. Deserto de Ossos, foi elogiado por Oprah Winfrey, que o descreveu como um livro “retrato sutil de uma das maiores tragédias da história…”.
Os romances de Bohjalian versam, em sua maioria, sobre os direitos humanos, dos animais e o meio ambiente. Sua narrativa sempre gira em torno de um personagem marcante, de características fortes, que sempre se contrapõem com um mais fraco, dependente de ajuda, ao redor dos quais giram uma gama enorme de personagens secundários. Outra característica interessante desse autor, é que ele usa fatos de sua história pessoal, e de sua família, para criar suas histórias, seus personagens, ou alguma situação interessante descrita nos livros. Nesse quesito ele se compara a outro autor que sabe fazer isso como ninguém: Stephen King.
Deserto de Ossos nos conta duas histórias distintas. Uma se passa na década de 1915, em plena Primeira Guerra Mundial, onde, na Síria, Elisabeth Endicott e Armem Petrosian se conhecem e iniciam um romance; noutra, no tempo presente, Laura Petrosian, neta do casal, redescobre a vida dos avós e as vicissitudes enfrentadas por eles durante a guerra. Ambas são narrativas diferentes, pois a de 1915 está na voz do narrador, enquanto que na época presente tem-se a narrativa na ótica de Laura.
O maior impacto e a parte mais interessante do livro é o período que se passa em 1915, na ocasião do genocídio armênio. A segunda parte, vivenciada por Laura e seu marido, é tediosa e sem muita relevância para o contexto. Da minha parte, acho que Bohjalian podia tê-la deixado de lado e se dedicado exclusivamente ao genocídio.
Os dramas vividos pelas personagens Elizabeth Endicott, Armem Petrosian, Nevart e Hatoun são a essência do livro. A história íntima de Armem, Nervat e Hatoum é triste e comovente; principalmente da menina, Hatoum. A forma brutal como sua mãe e irmã são mortas, mostra o quanto a guerra é desnecessária e inútil; o quão baixo pode chegar o ser humano para satisfazer o seu egocentrismo. Nervat também nos deixa uma história amarga e comovente, e a união dela com Hatoum é tocante e inspiradora. Armem também carrega um passado triste, motivo pelo qual ele se voluntária para lutar na guerra contra os alemães. Elisabeth e o pai, Silas, em conjunto com Ryan Martin, norte-americanos em caráter missionário em Alepo, na síria, compõem a parte humanitária que tenta agregar valor humano ao drama vivido pelas mulheres armênias nos campos de refugiados. Esses campos são um predecessor dos campos de concentração nazista, pois, apesar de não terem fornos crematórios ou câmaras de gás, dispensam pouca ou nenhuma assistência humana às vítimas da guerra. A descrição que Bohjalian faz desses campos de refugiados, da marcha que as mulheres armênias enfrentam pelo deserto, e a condição em que ficam as crianças órfãos, é muito dolorosa.
Enquanto que Elizabeth e seus amigos nos mostram os efeitos da guerra, Armem, alistando-se na guerra, nos mostra a causa: a verdade nua e crua da maldade humana. Da parte de Nervat, temos uma mulher forte, sobrevivente da guerra. Ela nos mostra exatamente o lado vivido por essas mulheres, enquanto Hatoum nos mostra a vida dos órfãos em Alepo. Juntas, mulher e menina criam um laço de amizade e ternura que parece impossível num lugar cercado pelo deserto escaldante e sedento de amor e humanidade.
A narrativa de Bohjalian é fácil e direta. Ele não se perde em melodramas e seus personagens são moldados como que esculpidos em rocha nas areias do deserto. Sob um sol inclemente, a maioria deles parecem desprovidos de sutilezas, tanto quanto o são de esperança. Por isso, o autor conta sua história como quem conta para um amigo algo que acabou de ver acontecer, e que o deixou estarrecido. Assim, me tornei intima das personagens principais a medida em que me deparei com suas tragédias, e por querer que elas encontrassem a felicidade – um luxo em Alepo, tanto quanto a abundância de água fresca –, me prendi à leitura e a fiz de um só fôlego.
Deserto de Ossos é um livro tocante e comovente, e igualmente inspirador, pois nos convida a refletir sobre o valor da vida e de nós como seres inseridos em seu contexto. Assim como na época do genocídio armênio, nos dias que correm, nos deparamos com muitas armênias que, dia a dia, são violadas, espancadas, torturadas, privadas de liberdade e da mínima dignidade humana, de almas destroçadas por cônjuges tomados pela droga, álcool ou esquizofrenia, ou por indivíduos outros não menos violentos ou desprovidos de humanidade. A cada dia vemos muitas Nervat e Hatoum sendo massacradas nas ruas, guetos, vielas e sarjetas de cidades e favelas e nós, como espectadores desse genocídio urbano, somos cúmplices por omissão e vítimas por solidariedade.
A tragédia descrita no livro é baseada em fatos. Mais de um milhão de armênios foram mortos em cerca de 25 campos de refugiados localizados entre a Síria, Turquia e Iraque. Muitos desses campos de refugiados funcionavam como matadouros e covas coletivas. Milhares de armênios morreram sob condições desumanas e enterrados coletivamente, sem nenhuma decoro ou dignidade humana. Uma mácula na história moderna do Oriente Médio que se tornou precursora dos campos de extermínio nazistas.
Deserto de Ossos é um livro forte, visceral, que lido sem imparcialidade, ao mesmo tempo, pode ser um livro emocionante e essencial, pois suas páginas marcadas de tristeza e dor também transmitem amor, perdão, amizade e esperança. Gostei do livro e o recomendo como uma leitura indispensável para quem gosta de livros com fundo histórico.
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