quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Resenha do filme “Moon paper” (Lua de papel) – EUA, 1973


Addie luta pela sobrevivência

ADDIE LUTA PELA SOBREVIVÊNCIA
Miguel Carqueija


Resenha do filme “Moon paper” (Lua de papel) – EUA, 1973. Produção e direção: Peter Bogdanovith. Roteiro de Alvin Sargent, com base no livro “Addie Pray” de Joe David Brown. Com Tatum O’Neal (Addie Loggins), Ryan O’Neal (Moses Pray), Madeline Kahn (Trixie Delight) e John Hillerman.

“Eu quero os meus duzentos dólares!”
(Addie Loggins)

Poucos filmes têm o condão de divertir tanto e prender a atenção como este “Moon paper”, realmente artístico e fora do comum. Bogdanovith era, na época, uma nova sensação do cinema, havia trabalhado com Roger Corman e merecidamente era reconhecido como um grande talento. Em verdadeiro achado, filmou esta história sentimental (não chega a ser comédia, tem muito de drama) em preto-e-branco, o que em muito contribuiu para a qualidade da obra. A fotografia, afinal, tem muito a ver com o clima de uma película. E o caráter sombrio e desanimador da época da Recessão norte-americana (iniciada em 1929) é acentuado pela imagem em preto-e-branco.
Uma menina de 9 anos (Tatum O’Neal, estrando no cinema de maneira genial), Addie Loggins, perde a mãe, morta num atropelamento. Poucas pessoas estão no funeral em Kansas quando chega ao cemitério, intespestivamente e com seu carro barulhento, o vigarista Moses Pray (Ryan O’Neal, na vida real pai de Tatum). Tendo declarado ser um am igo da falecida, ele é convencido a levar a menina para outro estado (Missouri) e entregá-la à tia Billie que aparentemente nem a conhece. Addie vai emburrada mas quando descobre que Moses (que na verdade é seu pai e não quer assumi-la) ganhou 200 dólares de “indenização” pelo atropelamento de sua mãe, ameaça denunciá-lo e a partir daí ele é obrigado a aceitá-la como cúmplice de seus golpes que incluem a venda de Bíblias para viúvas recentes (verificáveis pelos obituários) como suposta entrega de encomendas feitas pelos falecidos maridos pouco antes de morrerem.
Que Moses é o pai de Addie é sugerido até pelo título do livro que inspirou a produção: “Addie Pray”, ou seja o sobrenome de Moses.
A partir dai tudo o que acontece é imprevisível nesta singular comédia, onde não falta o duelo cerebral de Addie contra Trixie, a sirigaita que entra na vida de Moses e ameaça levá-lo à ruína como sói acontecer com homens que se apaixonam pela pessoa errada.
Tatum O’Neal ganhou o Oscar de atriz coadjuvante mas o próprio produtor e diretor reconhece nos comentários do DVD que Addie é a figura principal da fita. Addie domina do princípio ao fim e já aparece em close logo na primeira cena. Ela é uma pestinha, mas uma pestinha super-inteligente e, percebe-se logo, muito mais inteligente que Moses, embora este seja um vigarista bastante esperto.
Moses já comprara um carro novo com quase 90 dos 200 dólares. Tivera outras despesas. Mas quando a menina, numa cena antológica, começa a cobrar em voz alta, numa lanchonete, os duzentos dólares, Moses percebe que não se livrará dela facilmente. Em pouco tempo a garota, percebendo a mecânica dos golpes, trata de aperfeiçoá-los transformando-se numa pequena vigarista. Isto não parece nada edificante, mas o que subjaz no enredo é algo mais profundo. É a estranha relação entre pai e filha, é a inteligência e coragem de uma guria prematuramente tornada órfã de mãe, que, ao que parece, era uma prostituta. Addie pegara o hábito de fumar apesar da pouco idade (nos comentários se esclarece que os cigarros eram de verdura), sabe que as crianças vêm da relação entre homem e mulher e que Moses pode ser seu pai embora ele faça questão de negar; ela não é facilmente enganada. Com o tempo laços verdadeiros vão se forjando, gerados pela convivência e pelas aventuras em comum.
Bogdanovith conseguiu um resultado ímpar, realizando um filme encantador e amparado principalmente no carisma da personagem Addie, genialmente representada pela estreante Tatum O’ Neal.

Rio de Janeiro,

 
Miguel Carqueija

Nenhum comentário:

Postar um comentário