Demi Lovato exibe toda a sua extensão vocal em novo álbum, como se estivesse em um programa de calouros
Por Lucas Scaliza
O pop mainstream é o estilo musical que mais segue tendências e que menos se arrisca. O que está funcionando é mantido. Ou que deu certo no single ou no disco de outro/outra artista famosa é copiado. Produtores e DJs “tendência” são contratados para repetir suas fórmulas mágicas. O artista pop mainstream, com algumas exceções, é claro, se cerca de 10, 15 ou 20 outros profissionais para terminar suas letras e empacotar cada canção num processamento de áudio superproduzido e bem cuidado para que sirva para diversas faixas etárias em uma grande quantidade de pistas de dança e playlists de diversos países do mundo. No meio de tudo isso, o artista pop mainstream precisa encontrar espaço para suas características próprias, para colocar a sua assinatura.
Demi Lovato muda de álbum mas não muda seu jeito de almejar ser o pop mainsteam. A questão não é se Confident, seu novo disco, tem músicas boas ou não. Dentro daquele parâmetro pré-definido para tentar o sucesso, suas músicas funcionam bem sim, não há nada mal feito dentro da embalagem do trabalho. Com bateria forte e um naipe de metais que anunciam um hino pop, o disco abre com a faixa-título “Confident”. Com uma letra sobre tomar o controle da própria vida e fazer as próprias decisões, é uma faixa que consegue escapar um pouco do lugar comum. “Qual o problema em ser confiante?”, ela pergunta no refrão. “Cool For The Summer” é provocativa, uma tentativa de Lovato fazer música sexy, envolvendo pessoas bonitas e sem nenhum motivo para ficarem juntas de verdade, mas contada de uma forma bastante limpa, bem próxima aos axés brasileiros.
A partir de “Old Ways” (que até tem uma batida legal, pena que acaba engolida pela produção mais muscular para pistas), Lovato começa a apelar para seu alcance vocal. Deveria ser um trunfo na manga, mas o recurso é tão massificado no disco que vira um enorme clichê estilístico. Quando o ouvinte se dá conta disso, fica mais difícil ser surpreendido.
A divulgação do álbum usa a boa forma de Lovato como um dos atributos para chamar a atenção. Superada essa fase de sedução superficial (e mais um check na lista de lugares comuns), partimos para a audição do trabalho. Sua voz tem grande alcance e potência – e ela faz questão de demonstrar isso sempre que a melodia de voz lhe permite estender notas, usar o vibrato, subir oitavas. Em uma música ou outra, como “For You”, fica bonito e, se ela tem o dom, tem mais é que usar mesmo. Mas ao longo de um disco todo, com uso recorrente, vira um maneirismo um pouco irritante, sem falar que como a música não tem muito o que mostrar de novidade que já não tenhamos ouvido no catálogo pop dos últimos quatro ou cinco anos, seu vocal subindo e descendo (geralmente subindo) vira uma espécie de muleta. Aliás, este recurso é muito utilizado em programas de auditório e de competição musical pelas TVs do mundo todo como forma de impressionar o público geral. Cantar vira sinônimo de extensão vocal. Que morte horrível!
“Cold Stone” tem grandes chances de se tornar aquela faixa tristonha que ganha o público pela performance vocal, como Adele fez em diversas de suas músicas. De fato, a faixa exige um ótimo controle vocal, pois ela vai do mais grave até o mais alto que consegue. Jogaram no YouTube até um vídeo dela cantando a faixa no estúdio, algo que está totalmente em dia com a confiança de que fala o álbum, mostrando Lovato segura de si. Sem querer desmerecer a preparação que a faixa exige, o problema é que a música é só isso: exibição vocal. Ao lado de vários outros momentos em que ela faz a mesma coisa, fica a impressão de que ela emula uma Whitney Houston ou os piores vícios de Mariah Carey. A bonita “Lionheart” (que lembra a canadense Celine Dion) repete essa mesma história, sendo expressiva nos vocais e forte no refrão. Aí está uma ótima faixa para amadores apresentarem para jurados nos The X Factors e The Voices da vida.
Em “Kingdom Come”, com participação da rapper Iggy Azalea, ela consegue cantar “normalmente” nos versos e só manda sua voz às alturas no refrão. Soa melhor, menos gratuito. “Waiting For You”, com participação da rapper Sirah, é uma das melhores músicas do álbum, principalmente pelas batidas diferentes e pelo clima mais sóbrio dos versos. Uma pena que não conseguiram levar essas boas ideias para o refrão, que acaba se resolvendo de forma mais protocolar (inclusive com vários gemidos altíssimos na última parte, mais um sintoma da síndrome de Mariah). “Wildfire”, quase uma incursão pelo dream pop, chega a lembrar Halsey. Nesta faixa, Lovato mantém um equilíbrio maior. “Yes” e “Father” são outras cheias de nuances e subidas e descidas que exigem preparo. Será que Lovato repete todos esses detalhes ao vivo? “Mr. Hughes”, faixa da versão deluxe, traz os sopros de volta à música e algo mais interessante para ela mostrar, mas sem muita pretensão.
Para uma artista que já está no quinto disco da carreira, parece que Demi Lovato não está exatamente construindo algo marcadamente seu, com sua personalidade, pois seus diferem pouco um do outro. Unbroken (2011), Demi (2013) e Confident (2015) seguem a mesma toada, com quase os mesmos recursos. Variam as canções, mas não variam a ideia que norteia a produção e execução do projeto musical. Ou a sua personalidade se resume em tentar ser uma cantora pop como tantas outras que já passaram pelo médio e alto escalão do estilo. Selena Gomez, que já foi amiga de Lovato, conseguiu se manter no pop e colocar sua personalidade com muito mais força em Revival. Com uma extensão vocal bem mais curta do que Lovato, Selena declarou que nem tenta mais ficar alcançando notas altas, o que realmente a libertou no novo disco.
Das 14 faixas de Confident, Lovato participou da composição de nove. Em sua equipe há nomes como os dos onipresentes Max Martin e da dupla norueguesa Stargate, além de Ryan Tedder, Steve Mac, a norueguesa Ina Wroldsen (responsável pelo hit “How Deep Is Your Love”, do Calvin Harris), a britânica-barbadense Livvi Franc, as suecas Ily Salmanzadeh (que trabalhou com Ariana Grande e Jennifer Lopez) e Laleh Pourkarim (que possui a própria carreira solo), o americano Savan Kotecha (que já trabalhou com Maroon 5, One Direction, Britney Spears, Jessie J, Ellie Goulding e The Weeknd, entre outros) e as americanas Julia Michaels (que já escreveu “Fire Starter” para Lovato e “Slow Down” para Selena Gomez, entre alguma outras) e Nicole Morier (Britney, Ellie Goulding, Tom Jones, Icona Pop). É um time bastante focado e especializado em música pop, não muito diferente do que toda artista pop com um bom orçamento. Embora muitas artistas trabalhem cercadas de muitos homens na produção e na composição, percebe-se uma grande presença de mulheres na equipe por trás de Confident.
Não é o disco autoral que poderia ser. Ainda há alguns passos a serem dados na direção da maturidade musical que Demi Lovato precisa alcançar. Por hora, é um bom disco para pistas e para quem ainda se impressiona com vocais altos vezes sem fim. Isso se o ouvinte não enjoar do trabalho lá pela metade.
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