The Lobster, de Yorgos Lanthimos
Para “The Lobster”, o diretor, roteirista e produtor grego Yorgos Lanthimos constrói um cenário paralelo ao nosso, com autoridades invisíveis em que os rumos são ditados por anônimos submissos ao poder estabelecido sem que estes percebam a própria relevância. Popularizada na ficção pelo britânico George Orwell com “1984”, essa premissa é revista com muita originalidade nesta co-produção entre Estados Unidos, França, Grécia, Holanda, Irlanda e Reino Unido.
O que move a sociedade em “The Lobster” são os relacionamentos. Aqueles que não encontram a chamada alma gêmea ou simplesmente a perderam são classificados como Solitários. Rejeitados, precisam se submeter a um “resort” em que terão somente 45 dias para encontrarem um parceiro. Caso não tenham sucesso no curso desse prazo e não sejam eliminados em um massacre em que os Solitários são os caçadores e as caças, terão como destino a transformação permanente em um animal, cuja escolha partirá de cada um.
Embora Yorgos Lanthimos a todo o momento insira indícios de que os traços fantásticos de sua narrativa possam ser questionados, é nela que David (Colin Farrell) se vê enclausurado. É preciso encontrar uma parceira que corresponda às características pouco usuais que o integram: a miopia, as dores insuportáveis na coluna e a inabilidade para curá-la com as próprias mãos e o irmão que o acompanha, agora nas formas de um cachorro.
Há dois momentos distintos em “The Lobster”, o primeiro com a narração pouco apaixonada de Rachel Weisz sobre os passos dados por David e o segundo marcando o encontro desses dois personagens em uma floresta que divide os mundos dos Solitários e dos casais que vivem pacificamente na cidade. Não que a paz esteja estabelecida neste refúgio, uma vez que a liderança dos Solitários, nas formas da francesa Léa Seydoux, pune com rigor aqueles que assumam um relacionamento.
Em distopias, o amor surge como o instrumento de salvação de um planeta que ruma para o fim da humanidade. Em “The Lobster”, essa máxima é revirada. Estaria o amor realmente presente na repetição das convenções, que padroniza a constituição de uma família como o alcance da felicidade plena? Estamos todos condicionados a compartilhar um lar e a intimidade com aqueles que nos interessam por mera compatibilidade ou por sentimentos que superam as distinções vigentes?
É uma surpresa que uma premissa repleta de tantas estranhezas consiga transcender com questionamentos que não apenas nos dizem respeito, como contaminam o nosso âmago, trazendo ainda uma conclusão desconcertante e desesperançosa que revê as contradições complexas de um ser humano por traz de suas decisões, regidas mais pela necessidade de preenchimento do que por amor. É um alívio que Yorgos Lanthimos não tenha recuado nem um pouco na autoria que imprime em seu cinema ao elevá-lo a um novo patamar em um idioma não materno.
Nenhum comentário:
Postar um comentário