Melhor disco da banda em anos, agressivo e sombrio, representa uma bem sucedida volta às raízes
Por Gabriel Sacramento
Dave Mustaine tem trabalhado bastante nos últimos anos. O sucesso e patamar que a banda alcançou não foi o suficiente para fazer com que o vocalista/guitarrista se aquietasse e se acomodasse. De 2004 para cá, o Megadeth lançou cinco discos, o que é considerado bastante produtivo se comparado com bandas como Metallica, que no mesmo período, lançou apenas um. Ou o Slayer, que lançou três.
Os lançamentos recentes foram marcados pelas diversas e conturbadas mudanças na formação da banda. Essas mudanças, associadas a outros problemas, prejudicaram o desempenho do grupo nestes discos, o que aumentou ainda mais as expectativas com relação à Dystopia, novo e aguardado disco. Em The System Has Failed (2004), Mustaine gravou com músicos contratados; de United Abominations (2007) para Endgame (2009), houve uma mudança na guitarra solo: saiu Glen Drover, entrou Chris Broderick. De Endgame (2009) para Thirteen (2011), outra grande mudança: a volta do baixista original David Ellefson. Ou seja, desde 2004, a primeira vez que a banda gravou mais de um disco com a mesma formação foi no último e mais recente (e curiosamente o menos querido) Super Collider (2013).
Quando todos pensaram que a formação estava consolidada, Shawn Drover e Chris Broderick anunciaram a saída do grupo, forçando Mustaine e Ellefson, seu fiel escudeiro, a procurarem novos recrutas. A ideia inicial era reunir a formação do Rust in Peace (1990), álbum bastante admirado pelos fãs. Mas devido a problemas com empresários, a ideia não se concretizou. Musta então convidou o brasileiro Kiko Loureiro, do Angra, e o baterista Chris Adler, do Lamb of God, para trabalhar no disco novo. O projeto acabou se estendendo e os músicos acabaram ficando para a turnê também. Desde então, o líder Mustaien deu diversas entrevistas falando sobre o bom relacionamento que estava tendo com os novatos e que isso resultou em uma boa química em estúdio (Musta chegou a dizer que o brasileiro Kiko é “o melhor guitarrista que ele já teve na banda”, só não sabemos o quanto de marketing há nessa afirmação, embora não duvidemos nada das capacidades de Kiko).
Muito foi dito sobre o álbum também: que seria pesado, representaria uma volta da banda às suas raízes thrash e que seria mais dark do que qualquer outro, com referências à bandas obscuras como Mercyful Fate e King Diamond. Dave Ellefson disse que as músicas são cheias de arranjos complexos e que foi desafiador para ele gravá-las.
As guitarras de “The Threat is Real” abrem o disco anunciando que algo bem thrash está por vir. A base é bem direta e encorpada. A ótima seção de solos mostra um duelo entre Mustaine e Kiko Loureiro. A performance vocal de Musta é bem direta e pouco convincente. Mas como se trata do Dave Mustaine, que não é um vocalista exímio, isso é compreensível. A faixa título lembra em muitos aspectos a música “Hangar 18” do Rust in Peace: riffs melódicos e com poucas notas; mudança de andamento para marcar a seção de solos; e seção instrumental bem elaborada mostrando o poder de fogo das guitarras da banda.
“Fatal Illusion” possui riffs que remetem à fase oitentista da banda. Destaque em uma de suas partes o baixo de Ellefson, agudo e palhetado. Traz mais velocidade, duelos entre o vocal e a guitarra, além de um ar mais sombrio, que combina com a temática da canção (há ênfase na frase“o mal nunca morre”). “Death From Within” traz também uma temática soturna, com uma sonoridade tão pesada e consistente quanto às anteriores. Traz bons vocais de fundo no refrão que funcionam bem com o vocal principal, o qual anuncia que “ninguém está seguro, nenhuma criatura viva sobreviverá”. “Bullet to the Brain” tem um riff inicial que lembra o Lamb of God e ótimos solos executados por Kiko Loureiro. O clima soturno domina “Post-American World” e “Poisonous Shadows”. Na primeira faixa temos passagens bem lentas, com riffs e base abafados, além de ótimos solos harmonizados entre as guitarras. Já no último minuto da segunda, entra um piano assustador tocado pelo Kiko, com sussurros do Mustaine.
A instrumental “Conquer… or Die!” pode servir para convencer os fãs mais conservadores sobre o Kiko. Destaque para a primeira parte da música, em que Kiko mostra suas habilidades com o violão clássico. Depois entram as guitarras distorcidas e abafadas. “Lying in State” começa avassaladora e segue empolgante até o fim, no nível das outras. Para fechar, o cover “Foreign Policy” – gravada originalmente pela banda de hardcore punk Fear –, acaba não funcionando tão bem, soando um pouco deslocada da ideia do disco.
O termo que dá o nome ao álbum – distopia – é o contrário de utopia. Se a utopia é um sonho, uma idealização extrema e talvez denote algo impossível de alcançar, a distopia é um cenário desanimador em que a sociedade vive sem perspectivas de melhora. É um termo muito usado em livres e filmes para caracterizar uma sociedade controlada por uma organização e/ou governos opressores. Mustaine foi influenciado pela franquia de ficção científica O Planeta dos Macacos, em que os seres humanos vivem em um mundo futurista dominado por macacos. Isso reflete a visão do músico com relação ao mundo, principalmente no âmbito político (nada novo, afinal Mustaine sempre foi bastante opinativo com relação à política). Isso também explica as sombrias letras do álbum.
O guitarrista brasileiro Kiko Loureiro chegou com tudo! Sua performance é excelente e consegue trazer um pouco do seu estilo para os arranjos pesados da banda. Mustaine deu mais espaço para o brasileiro solar, até como uma oportunidade para ele mostrar serviço e agradar aos fãs. Os solos de Dystopia têm, sim, muito potencial para agradar e surpreender os admiradores do grupo. As guitarras, no geral, são bem timbradas e com muitas linhas harmonizadas entre Kiko e Mustaine, o que ressalta o bom entrosamento e a química entre eles. O repertório de riffs é fantástico: pesados, abafados, sombrios e dissonantes, todos com uma qualidade impressionante.
O baterista Chris Adler também faz um trabalho considerável aqui, embora não seja o seu melhor. Adler não consegue trabalhar bem o seu estilo, ficando aquém da performance demonstrada no Lamb of God. Isso é até compreensível: no Megadeth não há espaço para os riffs groovados que predominam em sua banda original. Mesmo não oferecendo o seu melhor, o baterista consegue se adaptar bem e fazer um bom trabalho.
O novo disco foi gravado no Lattitude Studio South em Nashvile, produzido pelo Dave Mustaine em parceria com Toby Wright (Alice in Chains, Korn) e mixado por Josh Wilbur, que também mixou o disco mais recente do Lamb of God, VII: Sturm und Drang (2015).
Dystopia é o melhor disco do Megadeth em anos. Desde o Endgame (2009) os fãs mais conservadores aguardam por algo mais próximo do thrash metal da fase áurea. Os dois últimos lançamentos representaram uma diminuição no peso, agressividade e na complexidade e, por isso, foram duramente criticados. Porém, Dystopia supera Endgame. A consistência instrumental aliada ao ar soturno de todas as composições faz com que Dystopia seja ímpar na discografia da banda, diferenciado de tudo que o Megadeth produziu até hoje.
Resumindo: é Megadeth sendo Megadeth. Muitos solos, riffs simples, passagens mais complexas e vocais roucos e diretos. É a banda tentando soar ela mesma e entregando o seu melhor aos fãs. Também representa a grande fase que iniciam com novo line up. A energia e o entrosamento dos músicos envolvidos mostra que coisa melhor ainda pode estar por vir.
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