Quando foi divulgada a primeira imagem oficial de “Deadpool”, na qual Ryan Reynolds é visto deitado próximo a uma lareira caracterizado como o personagem, era evidente que a Marvel e a Fox iriam conferir um tratamento pouco convencional para o projeto. Também pudera, pois Deadpool foi visto previamente em “X-Men Origens: Wolverine”, um fiasco com o poder de eliminar uma nova chance de aparição em qualquer outro filme.
Optou-se assim pelo escracho, trazendo aquela que foi a campanha promocional mais eficiente vista em Hollywood em tempos recentes, onde produções concorrentes e do próprio universo dos quadrinhos foram satirizadas tendo como protagonista um sujeito com uma fantasia vermelha em couro. Essa inconsequência de encarar tudo ao redor como uma brincadeira é também o que dita os rumos de “Deadpool” como filme, o primeiro assinado por Tim Miller, indicado ao Oscar em 2005 pela animação em curta-metragem “Gopher Broke”.
Definitivamente, não há freios em “Deadpool”. A violência atinge níveis gráficos, com membros decepados e corpos esmagados. Há nudez quase frontal. O linguajar é totalmente inapropriado. Ofensas são disparadas para todas as direções. Trata-se de uma celebração ao politicamente incorreto somente relevada pelos censores (a classificação é 16 anos) pelo apreço à fantasia, ainda que “Deadpool” respeite o perfil de seu herói/vilão ao ponto de quebrar essa ilusão em inúmeras passagens.
Dentro de tudo isso, “Deadpool” tem lá os seus valores, ainda que tortos. O principal é o compromisso de todo o elenco com essa brincadeira bizarra, especialmente Ryan Reynolds, que não tem pudor algum de usar a si mesmo como um dos principais alvos das tiradas presentes no roteiro de Paul Wernick e Rhett Reese. Outro ponto de interesse é como essa barreira que distancia o bem do mal inexiste no universo de Deadpool, inclusive quando este ainda é Wade, um jovem de trajetória errante que põe a sua vida em perspectiva ao se apaixonar pela prostituta Vanessa (a brasileira Morena Baccarin) e, posteriormente, descobrir que contraiu um câncer raro e incurável. A presença da veterana Leslie Uggams (do seriado “Roots”) como uma “parceira” cega de Deadpool é também brilhante.
O perigo do escapismo que é “Deadpool”, muito bem abraçada pelo público que transformou a produção no maior sucesso que já se viu no mês de fevereiro nas bilheterias americanas somente em sua estreia, está em transformar as suas “gracinhas” em tendência. Por melhor que o filme seja com as suas estratégias, há dois incômodos que podem ser notados após a histeria das risadas.
O primeiro vem da constatação de que “Deadpool” se locomove a partir de uma premissa que quase inexiste, estranho para algo que se pretende como história de origem. Em suma, é apenas sobre os receios de Wade em se reapresentar como Deadpool para Vanessa, agora carregando todas as deformações de experimentos que prometiam curar a sua doença e a promessa de se vingar de Francis/Ajax (Ed Skrein), o inimigo que o transformou em monstro.
O segundo senão é quanto o uso de metalinguagem e a quebra da quarta parede nos dissocia de “Deadpool” daquilo que se reconhece como uma experiência cinematográfica, mais parecendo uma coletânea de memes com quase duas horas do que uma chance para escapar da realidade ao longo dessa duração. A tiração de sarro com o fracasso de “Lanterna Verde”, com a inconstância da franquia “X-Men” e sacadas que só farão sentido para aqueles que têm o internetês como língua fluente recheia tanto “Deadpool” que chegamos ao ponto de criar a ilusão de que não estamos mais no cinema, mas na barra de rolagem do navegador do celular para se antenar na piada viralizada da vez. Agora é acompanhar se essa exceção do cinema pipoca vai se transformar em regra.
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