quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

DREAM THEATER – THE ASTONISHING (2016)


dream theater the astonishing
Décimo terceiro álbum do Dream Theater revela um processo ambicioso: uma ópera-rock futurista
por brunochair

Overture

Ambicioso. Para quem acompanhava as últimas notícias do Dream Theater, já imaginava que algo “grande” estaria por vir: trinta e quatro músicas dispostas em dois CDs que, juntos, chegavam a duas horas e dez minutos de duração. Um álbum que viria a resgatar as influências mais progressivas da banda, que estavam adormecidas desde Octavarium, álbum lançado em 2005. E também traria de volta a ideia do “disco conceitual” para o Dream Theater. Caso formos pensar num disco conceitual lançado pelo Dream Theater, o último com esta proposição foi Six Degrees Of Inner Turbulence, de 2002. Ou seja, as expectativas eram grandes em torno do novo trabalho. Será que conseguiram suprir as expectativas?

Ato I – Sobre a gravação do disco

A ideia original de The Astonishing partiu de John Petrucci, o guitarrista do DT. Influenciado substancialmente pela literatura fantástica e ficção científica, Petrucci começou a esboçar algumas fragmentos da história há cerca de dois anos e meio. The Astonishing narra a história de personagens que estão à mercê de um império opressivo (máquinas) e que desafiam este poderio, usando o poder da música como mola propulsora para a luta em prol da liberdade. A ideia foi sendo maturada e lapidada até que, há cerca de um ano, Petrucci decidiu apresentá-la aos demais colegas de banda, bem como para a gravadora Roadrunner, que toparam de pronto participar da empreitada.
Assim, começaram as gravações. Como já dito, o conceito deste disco era bem ambicioso: Petrucci vislumbrou um álbum para ser gravado junto com orquestra, utilizando instrumentos inusuais e muitos efeitos sonoros imitando a robótica, algo que contrastasse com a música orgânica (analógica) que dá corpo a boa parte do disco. Os primeiros arranjos foram criados por Petrucci e Jordan Rudess (o tecladista do DT) não perdendo de vista em momento algum a história. Portanto, personagens, lugares, confrontos e situações eram levados em conta no momento da criação musical.
As primeiras demos, gravadas apenas com guitarra e teclados, foram enviadas para o maestro David Campbell, que seria responsável por orquestrar o disco. Campbell é conhecido por seu intenso trabalho em trilhas sonoras, bem como ter produzido álbuns de diversos artistas de renome, como Paul McCartneyAdele, Evanescence, Beyoncé, Miley CyrusBeck (que por acaso é seu filho), entre tantos outros. Campbell ficou impressionado com a qualidade do material enviado e afirmou em entrevistas que teve tranquilidade para trabalhar com o Dream Theater, pois eles sabiam muito bem o que queriam no disco novo.
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Petrucci (ao centro) e Rudess (à direita) em estúdio de gravação.

Ato II – O Lançamento do disco; as repercussões

Oficialmente, The Astonishing será lançado apenas em 29 de Janeiro de 2016. Porém, no dia 25 de Janeiro o álbum havia “vazado” na internet, para a alegria dos ansiosos fãs do Dream Theater. E o disco logo foi apontado como um dos melhores da carreira da banda, mesmo por aqueles que não tinham ouvido nem o primeiro dos dois CDs lançados pelo grupo.
The Astonishing é, sobretudo, um álbum de ópera rock. Ou, caso prefira, ópera metal. Caso você tenha familiaridade ou já tenha visto alguma ópera em sua perene existência, entende como é o processo: trata-se de um enredo dramático que é acompanhado pela música. O enredo é constituído por diversos atos, que caracterizam histórias dos diversos personagens que compõem o drama. Estes atos são interdependentes, ou seja, fazem parte de uma mesma história, mas há uma mini-história dentro delas, respeitando introdução, desenvolvimento, clímax e desenlace.
Para quem não está acostumado com esse desenvolvimento em atos, The Astonishing pode parecer um tanto confuso. Há diversas músicas (sobretudo no CD 1) que encerram com aquela dimensão pomposa e grandiloquente de fins de álbuns, mas o que ocorreu de fato foi o encerramento de um ato. Ao mesmo tempo, há alguns “cortes” significativos de expressão musical, bem como nas ênfases vocais de James LaBrie. Pode parecer confuso, mas somente acompanhando o desenvolvimento da história torna-se possível compreender a dimensão dela*.
Uma característica sonora neste disco é o retorno da banda para uma vertente mais progressiva. Desde 2007, o DT vem lançando discos com característica mais heavy metal, deixando de lado o prog metal que fizeram a banda ganhar popularidade. As canções estão menos heavy metal, mais progressivas e mais curtas, o que também é uma novidade, caso levemos em conta as músicas de longa duração da banda. Em The Astonishing as músicas variam de quatro a sete minutos de duração. Os solos de guitarra de Petrucci estão bem mais econômicos neste disco, e auxiliam na diminuição do tempo de cada música.

Ato III – Os Músicos do Dream Theater em The Astonishing

– Jordan Rudess ganhou um protagonismo considerável neste disco. Ele e John Petrucci foram os responsáveis por criar os primeiros arranjos para o disco, e encaminhá-los ao maestro David Campbell. Em diversas canções, a intro é projetada apenas por ele, a partir do seus timbres de teclado mais próximos ao piano. Porém, ainda que tenha recebido tamanho crédito do Dream Theater, muitos dos arranjos oferecidos para as canções podem ser considerados simples. Ou seja, fez um bom trabalho, mas poderia ter colocado muito mais feeling no álbum, desenvolvido fraseados mais vigorosos e consistentes.
– O baixo de John Myung mais uma vez está bastante aquém do que em discos anteriores do Dream Theater, como o Awake e o próprio Scenes From a Memory Pt. 2 (1999).
– Nos últimos discos da banda (e após a saída de Mike Portnoy) John Petrucci assumiu a função de líder natural do Dream Theater. Desde Systematic Chaos, a proposta heavy metal vem sendo a principal característica do grupo e, por conta disso, a guitarra de Petrucci tornou-se (naturalmente) a protagonista sonora. Aliás, uma parte dos fãs da banda (sobretudo aqueles que gostavam da fase mais progressiva e conceitual) vinham criticando os “intermináveis” solos, a “fritação” exagerada do guitarrista. Nota-se que em The Astonishing Petrucci tomou cuidado extremo com isso. Fato é que há poucos solos e em boa parte das canções faz apenas a cozinha. Quando traz um solo, é muito competente e esbanja feeling. Fora isso, Petrucci foi fundamental ao criar toda a concepção artística que permeia o disco, ao escrever toda a ópera e ao convencer banda e produtores a acreditar no projeto. Boa parte do êxito de The Astonishing deve ser creditado a ele, certamente.
– Mike Mangini recebeu a importante (e difícil) missão de substituir Mike Portnoy nas baquetas do Dream Theater. Desde A Dramatic Turn of Events, alguns fãs teimam em compará-lo ao antigo baterista. Realmente, tratam-se de dois bateristas com características distintas, mas fato é que Mangini não havia mostrado a que veio até então. The Astonishing parece que foi seu débutfrente a banda: executou um trabalho digno de ser baterista do Dream Theater. E como conseguiu apresentar um bom trabalho? Simplesmente respeitando em parte o estilo que Portnoy introjetou no DT por mais de duas décadas, e desenvolvendo aos poucos suas particulares linhas de bateria, velozes e técnicas. Enfim, bem vindo ao Dream Theater, Mangini!
– Num álbum em que há menos solos que o costumeiro, que a ópera rock ganha um caráter de interpretação essencial, James LaBrie gravou, sem sombra de dúvidas, o seu álbum mais expressivo com o Dream Theater. Na realidade, o cantor vem apresentando um crescendo desde o período de Octavarium. Sua voz é como vinho, e sua capacidade de interpretação, idem. James LaBrie é “o cara” deste novo álbum, The Astonishing: sua capacidade de interpretação e mimetismo para dar vida a oito personagens diferentes surpreendem, e nos faz lembrar atuações de grandes nomes do rock’n’roll como Peter Gabriel na fase Genesis, e Fred Mercury no Queen. Uma atuação genial e digna de aplausos.
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James Labrie e seus oito personagens – disco para ficar na história do vocalista.

Ato IV – Final

Usando a própria história de John Petrucci na argumentação, nos últimos álbuns o Dream Theater havia optado por um caminho fácil, arrastado e preguiçoso do heavy metal. Faltava ao grupo uma vontade de fazer mais e sair da zona de conforto, de provar aos fãs (sejam eles antigos ou recentes) que ainda era possível criar um álbum com a grandiosidade de um Scenes From a Memory Pt. 2. Guardadas as devidas proporções, The Astonishing traz de volta a ambição aos álbuns do Dream Theater. Este disco desperta nos músicos novamente a capacidade de imersão em algo grandioso, tanto musicalmente quanto no que diz respeito às letras. Enfim, temos Dream Theater de corpo e alma – mais uma vez.
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*(Aliás, será ainda melhor quando o Dream Theater vier a gravar um DVD sobre The Astonishing)

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