Que Horas Ela Volta?, de Anna Muylaert
As empregadas domésticas vivaram um alvo de interesse na ficção brasileira, especialmente com a conquista de leis trabalhistas que surgiram para favorecer uma profissão até então isenta dos mesmos direitos de outros empregados com registro em carteira. Porém, o ponto de interesse está em como a relação entre uma patroa e a sua empregada reflete um país atingido por contrastes sociais, pelas posições de autoridade e de subordinação.
Em “Que Horas Ela Volta?”, temos duas mulheres que ilustram essas divergências. De um lado, temos Val (Regina Casé), há anos uma empregada doméstica em uma casa situada no Morumbi e longe de sua única filha, Jéssica (Camila Márdila). Do outro, há Bárbara (Karine Teles), mãe de Fábio (Michel Joelsas) e a figura que exerce poder em um território cuja figura masculina, o marido Carlos (Lourenço Mutarelli), é desmotivada, passiva.
Com a vinda de uma já adolescente Jéssica pedindo abrigo para estudar para um vestibular de arquitetura em São Paulo, “Que Horas Ela Volta?” passa a dar contorno mais fortes nas linhas que separam os universos de Val e Bárbara. É Jéssica que irá ultrapassar as barreiras imaginárias deste convívio: as acomodações, os ambientes de estar, os produtos alimentares, o servir e o ser servida.
Diretora extremamente habilidosa ao confinar as suas histórias em um único cenário, como se viu em “Durval Discos” e “É Proibido Fumar”, Anna Muylaert cria planos minuciosos para estabelecer essa divisão. Nas cenas de jantares, temos somente um olhar parcial da família reunida à mesa, pois há à direita a parede da cozinha e à esquerda temos a porta, a passagem para Val transitar entre os dois cômodos.
Essa perspectiva sobre o direito de pertencimento a determinados ambientes pela posição social é extremamente original e “Que Horas Ela Volta?” se permite a questionar sobre como elas determinam as funções que exercemos em um tabuleiro – aparentemente ingênua, o momento em que Val “descasa” um conjunto de xícaras é uma representação de nosso status quo. Sem a necessidade de fazer discursos que caricaturam os seus personagens, Anna Muylaert faz um belo alerta sobre algumas posturas ainda enraizadas em nossa cultura e ainda explora o tema da maternidade com muita ternura. É, sem dúvida alguma, um forte representante ao título de melhor filme nacional deste ano.
Publicamos nesta semana uma conversa com a diretora e roteirista Anna Muylaert. Para conferir, basta clicar aqui.
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